Os dezessete Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)
da ONU
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Mas de uma maneira geral, a sociedade contemporânea, e particularmente a brasileira não consegue fazer as conecções desses objetivos com nossa condição espacial do mundo de hoje, em nossas cidades e na forma como ocupamos o território do planeta. Esse artigo pretende exatamente relacionar cada um dos dezessete ODS, com nossa concepção do que é o "bem viver"(1) e a "boa cidade"(2). As formas de produção e reprodução da cidade contemporânea, e a maneira como encaramos a boa moradia foram geradas em outros tempos da humanidade, aonde os recursos do planeta como os combustíveis fósseis ou os mananciais de água doce pareciam intermináveis e inesgotáveis. O modelo anglo saxão de cidade com subúrbios jardins de baixa densidade, próximos da natureza, afastados dos centros urbanos com o uso exclusivo habitacional, contraposto às centralidades dominadas pelo uso do trabalho e da concentração de empresas continuam dominando o senso comum (3) como o paradigma do "bem viver". O rodoviarismo continua sendo celebrado de uma maneira irresponsável, na perspectiva inocente ou as vezes interessada de que a transformação do combustível de fóssil para o elétrico garantirá carros para todos. Comprovando a presença dessa mentalidade basta vermos os imensos investimentos feitos na China contemporânea para incrementar o uso do carro particular para todos. Imensas estradas para automóveis particulares, complexos de viadutos que articulam variadas interconexões, imensas torres de escritórios com vidros espelhados, complexos comerciais concentrados e pontuais continuam fazendo a fantasia do cidadão comum em todos os quadrantes. Esse fetiche da boa vida urbana permanece sendo a representação do bem viver em diferentes pates do mundo, isto é, uma cidade dispersa de baixa densidade, dependente do automóvel particular e centrada numa vida competitiva e pouco solidária. Enfim, um desastre social e ambiental anunciado.
Mas listemos os ODS. O primeiro fala literalmente em extinção da pobreza, e decreta; "Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares." Em nossas cidades aonde encontramos a pobreza; em favelas ou bairros precarizados que não desfrutam da plenitude dos serviços urbanos, faltando infraestruturas básicas, tais como água, esgoto, lixo, segurança, iluminação, lazer, educação, habitação salubre, saúde, etc. A implantação desses serviços deve ser fruto de um projeto de urbanização, um ordenamento territorial que permita a promoção da salubridade geral e ao mesmo tempo preserve os esforços já empreendidos pela comunidade. Por outro lado, é importante a produção habitacional para todos em condições de urbanidade apropriada, garantindo que não haja mais moradores de rua.
O segundo, menciona; "Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável." Especialistas de diferentes tendências apontam que o incremento dos preços dos alimentos é invariavelmente decorrência direta do seu transporte em grandes distâncias. A implantação de micro-hortas urbanas a partir do associativismo de condomínios de apartamentos e nas favelas e bairros precarizados me parece ser a fórmula que garantiria proximidade entre produção e consumo no setor de alimentos, garantindo preços mais acessíveis.
O terceiro objetivo sustentável decreta; "Assegurar uma vida saudável e promover o bem estar para todos em todos os lugares." Devemos promover uma urbanidade que incite o caminhar diário em calçadas e travessias seguras, promovendo a articulação de modais de transportes ativos, como bicicletas. Estruturar áreas de lazer e de promoção de exercícios ao ar livre próximo de todas as habitações da cidade, enfatizando o convívio social nas diversas horas do dia.
O quarto; "Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos." A escola deve possuir uma certa centralidade no ambiente urbano sendo um elemento aglutinador no bairro ou contexto que se insere, devendo estar próxima de um caminhada curta, mesmo para as crianças. A ideia dos CEUs em São Paulo, ou os CIEPs no Rio de Janeiro, ou ainda os CIACs pelo Brasil é o que o simbolismo de suas construções representavam essa centralidade, aonde se podia praticar esportes, se informar e interagir com a comunidade.
O quinto ODS é "Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas". A cidade que tenha claro em sua espacialidade o empoderamento de todas as mulheres e a igualdade de gênero é um ambiente urbano acolhedor, de intimidade e que transmita conforto. O acolhimento deve acontecer em situações variadas, quando caminhamos, atravessamos, pedalamos, dirigimos, buscamos o transporte público, etc. São situações cotidianas nas quais nos achamos seguros e acolhidos pela ambiência e pelas outras pessoas, é o desfrute de uma gentileza urbana que se manifesta em todas nossas operações.
O sexto; "Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos." Se refere a gestão de nossos mananciais de água, como rios, praias e baías, garantindo não só sua potabilidade, mas também sua balneabilidade. Essa gestão é impulsionadora de saúde para a população e reforça todos os outros ODS. A água deve ser entendida como elemento da paisagem urbana, e mostrada, e apreciada em todo seu dinamismo, nas épocas de chuvas ou secas, e na diversidade das marés. Os rios particularmente no ambiente urbano devem ser mostrados e apreciados como elementos da paisagem, entendendo sua dinâmica variada e rica para o meio ambiente.
O sétimo; "Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos." As novas tecnologias de captação, como eólicas e solar devem ser franqueadas no ambiente urbano para todos impulsionando uma economia pulverizada e compartilhada, que associe diferentes agentes nos bairros e comunidades. As soluções devem ser construídas de forma associativa e colaborativa, aglutinando usuários, que a partir de um assessoramento correto optam pela solução mais adequada. Os impactos ambientais e paisagísticos devem ser avaliados de uma forma holística, demonstrando um cuidado com a paisagem construída e natural.
O oitavo; "Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos." Esse objetivo traz logo em seu início, o seguinte texto; "O desemprego global aumentou de 170 milhões em 2007 para cerca de 202 milhões em 2012, dentre eles, aproximadamente 75 milhões são mulheres ou homens jovens." O incentivo a economia criativa, ao empreendedorismo, a multiplicação dos pequenos negócios através do crédito devem ser políticas continuadas, pois são esses empreendimentos que mais geram empregos. O desdobramento disso no espaço deveria ser impulsionar os centros de bairros pulverizados no território, incentivando o comércio localizado.
O nono é; "Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação." O sistema capitalista desregulamentado vem destruindo empregos de forma predatória, desde o final da década de setenta, quando Thatcher e Reagan chegam ao poder na Inglaterra em 1979, e nos EUA em 1981. O neo liberalismo ainda dominante precisa de regulamentação, principalmente no seu braço financeiro, que bloqueia claramente o alcance desse objetivo. Do ponto de vista espacial, as infraestruturas pulverizadas e avessa a grandes concentrações parece ser a atitude que promoverá esse ODS, isto é, ao contrário dos grandes centros de geração ou tratamento de energia ou esgotos, por exemplo, devemos ter essas pulverizadas no território, atendendo pequenas comunidades. Mas, mais uma vez isso contraria uma tendência do sistema capitalista neo liberal, que sempre foi de concentrar empreendimentos, numa vertente inercial monopolista.
O décimo é; "Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles" Como já assinalado essa não é a tendência inercial do capitalismo em sua versão neo liberal, que na verdade vem concentrando renda, e gerando mais desigualdade. O fomento a micro empreendedores locais, o desenvolvimento de um cotidiano de consumo micro localizado, como propõe a permo cultura, isto é a compra de produtos dentro de um raio de proximidade menor possível.
O décimo primeiro é; "Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis". A espacialidade das cidades e dos assentamentos humanos precisam transmitir segurança, resiliência e sustentabilidade. O empoderamento das micro comunidades, bairros ou localidades precisam ser fomentados a partir do debate sobre o plano e projeto desses lugares, desenvolvendo uma consciência local. O debate sobre o vir-a-ser desses lugares precisam ter como premissa a inclusão, que me parece o maior desafio nas condições atuais do desenvolvimento capitalista neo liberal.
O décimo segundo é; "Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis" Esse objetivo é na verdade um desdobramento dos últimos quatro, que serão atendidos a partir do fomento aos pequenos e pulverizados empreendedores.
O décimo terceiro é; "Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos". Os desequilíbrios ecológicos e seus impactos são consequência direta do individualismo empreendedor e do declínio das práticas de solidariedade tão fomentados pela ideologia do capitalismo neo liberal. A reversão dessas práticas, com o fomento do associativismo e da solidariedade parece ser uma urgência contemporânea. A arquitetura e urbanismo que fomente o encontro a interação entre pessoas e agentes, como se celebrasse a diversidade das pessoas e opiniões possui um papel relevante aqui.
O décimo quarto é; "Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável". Os teóricos DARDOT E LACVAL 2017 destacam de forma correta, o papel dos mares e oceanos como um patrimônio comum da humanidade, que resiste a seu cercamento e privatização pelo capitalismo. A exploração racional e solidária dessa imensa espacialidade é fundamental para se atingir o objetivo anterior.
O décimo quinto é; "Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade". DARDOT e LACVAL 2017 também apontam as florestas, parques e ecossistemas como patrimônio comum da humanidade, que não pode ser cercado e privatizado. O Comum é um conceito jurídico, que emerge do juízo consuetudinário, que é a naturalização de nossa compreensão da justiça, que compreende esses espaços como pertencentes a todos.
O décimo sexto é; "Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis" Mais uma vez a espacialidade correspondente a esse objetivo deveria ser a representação da transparência e do republicanismo, fornecendo ou facilitando todas as informações aos cidadãos comuns. A paz e a reunião das diferenças humanas é claramente celebrada aqui, e possui sua correspondência espacial nos territórios adequados ao encontro e a interação.
Por último, o décimo sétimo é; "Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável". Percebe-se mais uma vez a falta de um maior poder de síntese na elaboração dos 17 ODS, uma vez que muitos deles me parecem repetidos, gerando uma certa dispersão pelo número excessivo de objetivos. A representação espacial desse último objetivo é uma repetição do anterior, aonde a união dos povos e a diversidade de opiniões devem ser adequadamente fomentadas.
NOTAS:
(1) O conceito de bem viver é uma disputa ideológica em torno de padrões de vida. ÁBALOS, Iñaki em seu livro La buena vida, visita guiada a las casas da modernidade aponta o morar moderno como constituído por retiro edílico e proximidade da natureza. Esse padrão se adapta aos novos paradigmas ambientais?
(2) O modelo de cidade, ou sua cristalização numa tipologia permanece preso ao referencial romântico moderno, aonde a habitação está próxima aos idílios naturais, gerando baixa densidade no morar e alta concentração do trabalho; a cidade estado unidense.
(3) A ideia de senso comum aqui compartilhada provém de GRAMSCI, que em geral entendia-o vinculado a ideologia mais difundida e com frequência partilhada pelo grupo social dominante. No Dicionário Gramsciano; "Em geral, trata-se da ideologia mais difundida e com frequência implícita de um grupo social de nível mínimo. Por isso, ele se relaciona dialeticamente com a filosofia, isto é com o segmento alto da ideologia..." LIGUORI e VOZA 2017 página723
BIBLIOGRAFIA:
ÁBALOS, Iñaki - La buena vida, visita guiada a las casas da modernidade - Editorial Gustavo Gilli Barcelona 2000
DARDOT, Pierre e LACVAL, Christian - Comum, ensaio sobre a revolução no séculoXXI - Editorial Boitempo São Paulo 2017
LIGUORI, Guido e VOZA, Pasquale orgs. - Dicionário Gramsciano - Editora Boitempo Saõ Paulo 2017
Alguns dos objetivos mencionam diretamente o espaço, a partir de palavras como lugar, todas as partes, cidades, etc... Mas de uma maneira geral, acho a formulação de 17 ODS algo dispersiva, um número excessivo. Alguns poderiam ser reunidos, de modo que a mensagem fosse mais sintética e direta. Na verdade, no texto considero-os incompatíveis com a mentalidade neo liberal ainda predominante no mundo contemporâneo, aonde há a celebração do "mercado" e o endemonizamento do "Estado".
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