"Esse é o cara.", teria sido a expressão de Barack Obama
para Lula em 2009, acrescentada por;
"É o político mais popular da Terra." |
"Em dezembro de 2010 os juros tinham caído para 10,75% ao ano, com taxa real de 4,5%. O superávit primário fora reduzido para 2,8% do PIB e, descontando efeitos contábeis, para 1,2%. O salário mínimo, aumentado em 6% acima da inflação naquele ano, totalizava 50% de acréscimo, além dos reajustes inflacionários, entre 2003 e 2010. Cerca de 12 milhões de famílias de baixíssima renda recebiam um auxílio entre 22 e duzentos reais por mês do Programa Bolsa Família. O crédito havia se expandido de 25% para 54% do PIB, permitindo o aumento de padrão de consumo dos estratos menos favorecidos, em particular mediante o crédito consignado...O crescimento do PIB em 2010 pulou para 7,5%... O índice de Gini, que mede a desigualdade de renda, foi de 0,5886 em 2002 para 0,5304 em 2010" SINGER 2012 página11 e 12
"Mas eu seria injusto se não reconhecesse os méritos da esquerda petista, a qual eu apoiei na maior parte de minha militância. Ela nunca deu muito valor para a “ética na política”, mas também pouco se envolveu em falcatruas, como alguns membros das correntes majoritárias. E muitas vezes ela impediu que o PT fosse ao centro do espectro político cedo demais. Ela foi vital na decisão de não apoiar o colégio eleitoral, de defender sempre candidatura própria para o PT e impedir alianças com a direita, o que teria descaracterizado o partido... A maioria do PT sempre desprezou a teoria. O PT foi muito obreirista porque a teoria que se lhe apresentava era um marxismo sem nenhuma incidência na realidade. E sejamos justos. Nós, que éramos marxistas no PT, não sabíamos o que fazer com temas concretos que desafiavam o partido, como a inflação. Tínhamos boas análises globais, sabíamos avaliar o papel que o Brasil estava assumindo na década neoliberal de 1990, impulsionamos a integração da esquerda no subcontinente latino-americano, entendíamos os contornos gerais das crises econômicas, mas nossa teoria não servia para um partido ao mesmo tempo militante e eleitoral. Ainda assim, o pouco que o PT teve em matéria de formação política deveu-se à pressão de suas alas esquerdistas." Entrevista de Lincoln Secco a Revista Fevereiro
De 2002 a 2010, Lula operou uma governabilidade sem qualquer diferenciação com o governo que o antecedera, apenas se destacando pelos altos índices de aprovação a sua gestão no seio da sociedade brasileira, no final dos dois mandatos. Essa situação acabou determinando aquilo que SINGER 2012 caracterizou como o Lulismo, um reformismo lento e gradual, articulado com um pacto conservador, que mantinha-se sobre o signo da contradição entre; conservação e mudança, reprodução e superação, decepção e esperança. O fato é que, no final do ano de 2009, Lula de cima de uma popularidade de 83% lançaria a economista
Dilma Vana Roussef, sua ex-ministra-chefe da Casa Civil, à Presidência da República do Brasil, uma candidata, que nunca tinha concorrido a um pleito eleitoral, que acabaria vencendo a eleição, configurando dentro do Partido dos Trabalhadores, ou do Petismo um fenômeno, que era uma antítese dos seus princípios fundacionais. A saber, uma forte crítica ao varguismo e ao populismo do antigo PTB, como tendências que condenavam a classe trabalhadora do país a uma eterna imaturidade, que a condenava a esperar benesses do Estado paternalista. E mais, um abandono da ortodoxia do velho PCB, que se mantivera durante nosso espasmo democrático entre o Estado Novo e a Ditadura Civil-Militar sempre sem direito de existir, mas com uma ampliação constante de suas influências e teses. O PT era enfim um partido de massas, que reafirmava a possibilidade de um socialismo democrático, não revolucionário, e anti-Stalinista, possível dentro de uma sociedade marcada pela presença próxima do escravismo. Mas dentro dos parâmetros pragmáticos da real politic, condicionado e vergado por uma governamentalidade, que lhe retirou as pretensões socialistas e de mudança nas formas arcaicas de operar da política brasileira.
"Teria havido, a partir de 2003, uma orientação que permitiu, contando com a mudança da conjuntura econômica internacional, a adoção de políticas para reduzir a pobreza - com destaque para o combate a miséria - e para a ativação do mercado interno, sem confronto com o capital. Isso teria produzido, em associação com a crise do mensalão*, um realinhamento eleitoral que se cristaliza em 2006, surgindo o lulismo." SINGER 2012 página13
"Parto da premissa de que o sistema partidário brasileiro só é compreensível se levamos em conta a dialética entre modernização e atraso. Minha hipótese é que os três maiores partidos reais, desde 1945, quando o Brasil passa a ser uma democracia de massa, até 2016, de um certo ponto de vista são os mesmos, embora os nomes tenham mudado. Eles cruzam o setor moderno e o atrasado, resultando numa oposição bipolar entre um partido popular e um partido de classe média, todavia mediada por um partido do interior, em que prevalecem relações de clientela... Por momentos, o embate entre capitalistas e trabalhadores, isto é, entre esquerda e direita, ganha centralidade, como ocorreu na década de reinvenção da política (1978-88), mas a forte presença do subproletariado tende a empurrar os atores para uma polarização entre ricos e pobres, a qual acabou se transfigurando em 2006, em lulismo e antilulismo." SINGER 2018 página23
"O caminho da criminalização parece ter se colocado, então, como via para o PSDB retornar ao governo. Talvez uma parte dos tucanos tenha se convencido de que, se mesmo com a economia estagnada, isolada em relação à burguesia, com uma classe média sublevada e um escândalo político midiático em curso, a candidatura do lulismo tinha vencido em 2014, seria difícil derrotar Lula em 2018." SINGER 2018, página168
"Talvez Dilma tivesse a crença secreta de que a Lava Jato, correndo por outro trilho, derrubasse Cunha da Presidência da Câmara antes que ele pudesse tirá-la do Planalto. Como tinha se adiantado à Lava Jato, desbaratando o centro nervoso da corrupção na Petrobrás, ela não percebeu que a operação liderada por Sérgio Moro objetivamente se concentraria no lulismo e Cunha seria preservado até que ela caísse. A possível confiança de Dilma na salvação via Lava Jato se apoiava também na rejeição de uma parte do empresariado a Cunha. Com efeito, quando Cunha rompe publicamente com Dilma, em julho de 2015, e passa a usar a Câmara para torpedear o ajuste fiscal, há um movimento da burguesia para sustentar a presidente, o que adia por quase um semestre o pacto fundamental entre PMDB e PSDB para derrubá-la." SINGER 2018 página294
Enfim, ao se olhar hoje o desenvolvimento desse processo fica cada vez mais claro, os interesses e intenções de uma série de agentes com relação aos parâmetros colocados no título; corrupção, republicanismo e demofobia. Nesse relato, a prisão de João Santana em fevereiro de 2016, envolvendo a campanha de Dilma com a alocação de recursos pouco republicanos sela a sorte da presidente, aproximando-a novamente de Lula, quando já era tarde. Lula foi chamado para assumir a Casa Civil de Dilma, e Moro ilegalmente divulgou a conversa entre os dois, deixando-a vazar para a grande imprensa. Aqui fica claro que a governamentalidade, e os recursos de campanha foram sempre operados no Brasil de maneira intransparente, isto é pouco republicana. A atenção com as eleições devem ir muito além das disputas majoritárias, procurando candidatos a Deputados Estaduais, Federais e Senadores do campo progressista, independentes dos pesados jogos de interesse. O pragmatismo do PT acabou também isolando-o das possibilidades de convocação de manifestações populares de apoio, que acabaram desde de 2013, antes da reeleição, canalizadas para o lado conservador. A articulação entre PMDB e PSDB no Congresso Nacional envolviam claramente o bloqueio a Lula, a partir de uma certeza da sua vitória, para que esse não pudesse ser candidato de maneira nenhuma em 2018, numa profunda desconfiança da capacidade de discernimento do povo. Por outro lado, a Lava Jato cada vez mais se mostra seletiva e sectária no seu combate a corrupção, incapaz de abandonar interesses e benefícios da corporação da justiça, demonstrando um único objetivo pouco republicano, condenar Lula. Nessa correlação de forças, tudo reforça a candidatura de Lula, que cada vez mais assume um traço carismático análogo ao getulismo personalista, que o torna imbatível junto ao precariado brasileiro. O brilhante cronista, Luiz Fernando Veríssimo volta e meia faz menção em suas crônicas a uma personagem denominada Dora Avante, com uma idade avançada e indefinida, e que pertence a um grupo "as Socialaites Socialistas", tratando com fino humor a demofobia generalizada na sociedade e nas esquerdas brasileira. Uma análise precisa e contundente de nossa realidade imediata e eternamente partida.
NOTAS:
* Escândalo do primeiro governo Lula, que envolve a compra de congressistas para operacionalizar seu funcionamento, que acaba determinando a queda de José Dirceu, chefe da Casa Civil.
** Os autores são Francisco Oliveira, Fábio Konder Comparato, Jessé Souza, André Singer, dentre outros
*** Na cobertura da Globo News em 26 de outubro de 2014, o ânimo dos comentaristas claramente decrescia, a medida que começavam a chegar os votos do Nordeste, que contrastavam com a apuração mais rápida dos votos de São Paulo e do sul do Brasil, e davam a vitória a Dilma.
Entrevista a Lincoln Secco, autor de SECCO, Lincoln - História do PT, - Atelier Editorial, São Paulo 2011, a Revista Fevereiro, disponível em http://www.revistafevereiro.com/pag.php?r=04&t=05, acesso em 26/08/2018
SINGER, André - Os sentidos do Lulismo, reforma gradual e pacto conservador - Editora Companhia das Letras São Paulo 2012
SINGER, André - O lulismo em crise, um quebra cabeça do período Dilma (2011-2016) - Editora Companhia das Letras São Paulo 2018
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