O ensino de projeto é de difícil abordagem teórica, por ser uma atividade intrinsecamente operativa e empírica, necessitando da experiência para ser apreendido pelo estudante, aonde a vivência do fenômeno conta mais que sua sistematização teórica. A prática é que traz mais segurança ao aluno, que consegue identificar seu caminho a partir de um experimentalismo recorrente, seja no campo do urbano, seja no arquitetônico. A academias francesas, que são a origem de nossas escolas de arquitetura, encaravam o projeto como um âmbito autônomo dos alunos, que na verdade selecionavam e elegiam o professor que os exercitava na cadeira de Composição de Projetos. Essa autonomia, e liberdade de escolha nos ateliers de projeto não deve ser reprimida, pois o ato de projetar se aproxima da concepção artística, sendo uma ato sempre autobiográfico. Abaixo publico a íntegra do meu texto, que apresentei nessa seção do 21 Congresso Brasileiro de Arquitetos.
APONTAMENTOS SOBRE AS AULAS DE PROJETO EXECUTIVO NO ÂMBITO DA EAU-UFF
A EXPERIÊNCIA DO PROJETO EXECUTIVO NAS ESCOLAS DE ARQUITETURA E URBANISMO, UMA REFLEXÃO
EIXO TEMÁTICO: FORMAÇÃO E O FAZER PROFISSIONAL
NOME DO AUTOR – Pedro da Luz Moreira (EAU-UFF) - e-mail: daluzmoreira.pedro@gmail.com
Resumo: O presente trabalho apresenta a experiência atualmente desenvolvida no âmbito da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense(EAU-UFF), em Niterói, decorrente das aulas de Projeto 5, que abordam o projeto executivo. A matéria de Projeto 5 na grade do currículo da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF) acontece no esquema geral do curso no 6º período, antes da matéria de Projeto de Arquitetura de Restauração (7º período) e Projeto de Arquitetura de Habitação Social (8º período), sendo portanto a ante penúltima disciplina antes do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que ocupa os dois últimos períodos. As escolas de arquitetura no Brasil tem se restringido a cobrar de seus alunos nas disciplinas de projeto, trabalhos no nível de Estudo Preliminar, ou no máximo de Anteprojeto. A experiência é fundamental na aproximação dos esforços didáticos da EAU-UFF com a prática profissional e com o processo de amadurecimento do aluno no enfrentamento do projeto.. Existe aqui um notável esforço da instituição de superar a vivência do projeto, apenas como criação e concepção inusitada, mas de conquista de um discurso mais técnico, descritivo de uma construção efetiva e materializada de forma concreta.
Palavras-chave: Projeto Executivo; Tectonia; Arquitetura; Cidade; Habitar; Edifício Multifamiliar.
A EXPERIÊNCIA DO PROJETO EXECUTIVO NAS ESCOLAS DE ARQUITETURA E URBANISMO, UMA REFLEXÃO
EIXO TEMÁTICO: FORMAÇÃO E O FAZER PROFISSIONAL
NOME DO AUTOR – Pedro da Luz Moreira (EAU-UFF) - e-mail: daluzmoreira.pedro@gmail.com
Resumo: O presente trabalho apresenta a experiência atualmente desenvolvida no âmbito da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense(EAU-UFF), em Niterói, decorrente das aulas de Projeto 5, que abordam o projeto executivo. A matéria de Projeto 5 na grade do currículo da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF) acontece no esquema geral do curso no 6º período, antes da matéria de Projeto de Arquitetura de Restauração (7º período) e Projeto de Arquitetura de Habitação Social (8º período), sendo portanto a ante penúltima disciplina antes do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que ocupa os dois últimos períodos. As escolas de arquitetura no Brasil tem se restringido a cobrar de seus alunos nas disciplinas de projeto, trabalhos no nível de Estudo Preliminar, ou no máximo de Anteprojeto. A experiência é fundamental na aproximação dos esforços didáticos da EAU-UFF com a prática profissional e com o processo de amadurecimento do aluno no enfrentamento do projeto.. Existe aqui um notável esforço da instituição de superar a vivência do projeto, apenas como criação e concepção inusitada, mas de conquista de um discurso mais técnico, descritivo de uma construção efetiva e materializada de forma concreta.
Palavras-chave: Projeto Executivo; Tectonia; Arquitetura; Cidade; Habitar; Edifício Multifamiliar.
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A
matéria de Projeto 5 na grade do currículo da Escola de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF) acontece no esquema geral do curso
no 6º período, antes da matéria de Projeto de Arquitetura de Restauração (7º
período) e Projeto de Arquitetura de Habitação Social (8º período), sendo
portanto a ante penúltima disciplina antes do Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC), que ocupa os dois últimos periodos. A matéria pretende fornecer aos
alunos a dimensão real do projeto de arquitetura, em sua integridade desde a
concepção a seu detalhamento, enquanto representação de uma obra, que ele
antecipa. A EAU-UFF sempre se caracterizou desde a sua fundação por ser um
curso com preocupações sociais, buscando formar um profissional capaz de dar
respostas às graves condições de precariedade habitacional, que afligem a
população brasileira. Os temas como urbanização de favelas, produção de
habitação de interesse social, projeto participativo são constantes nas bancas
de TCC na EAU-UFF. Existe aqui um notável esforço da instituição de superar a
vivência do projeto, apenas como criação e concepção inusitada, mas de
conquista de um discurso mais técnico, decritivo de uma construção efetiva e
materializada de forma concreta. Em sua ementa a disciplina de Projeto 5 define
de forma categórica, que seu tema é o projeto executivo, buscando fazer com que
o aluno vivencie os problemas de detalhamento e maior precisão na descrição do
objeto.
Figura
1: Croqui fornecido aos alunos da unidade
simplex com núcleo de circulçao vertical
|
Na
verdade, desde a década de setenta a EAU-UFF oferece um curso de arquitetura,
que se destaca no panorama da cidade metropolitana do Rio de Janeiro por seu
perfil vinculado ao debate dos problemas sociais das cidades e da arquitetura
brasileira. Essa preocupação nunca foi tida como em contradição com a
sofisticação do desenho e o aprimoramento técnico do projeto, como aliás está
destacado por SANTOS 1988, na interação entre análises e sínteses que ocorre na
proposição arquitetônica e urbanística;
O dilema se
arma entre dois extremos. De um lado, estão ANÁLISES que não querem ou não
conseguem interferir nas práticas urbanas cotidianas. Do outro, estão SÍNTESES
impostas como corpos estranhos á vida real das cidades que não alcançam
decompor em seus elementos e mecanismos fundamentais. SANTOS 1988 página44
E,
mais não podemos nos refugiar no conforto das análises, mas se arriscar nas
proposições e desenhos, que materializam o desejo, não só do projetista mas
também e principalmente dos usuários. O arquiteto Carlos Nelson Ferreira dos
Santos possui uma trajetória dentro da arquitetura brasileira bastante
singular, ele foi o principal ideólogo da fundação da EAU-UFF e um polemista
notável. Incomodado com o messianismo da produção arquitetônica brasileira
pós-Brasília, formado em 1966 ainda pela Universidade do Brasil, logo após o
Golpe Civil-Militar, fez seu mestrado no Massachuseffs Institut of
Technology (MIT) nos EUA em 1971. Em sua trajetória, ele também se deixará
contaminar pela antropologia social do Museu Nacional da UFRJ em seu doutorado
defendido em 1979. Na verdade, desde 1964 militava na assessoria à Federação e
Associação de Favelas da Guanabara (FAFEG), e num órgão deste mesmo Estado
denominado Companhia de Desenvolvimento de Comunidades (CODESCO), afirmando de
forma categórica seu desejo de inflexão da prática do ofício. Sempre esteve
ligado a academia, primeiro como professor do Instituto de Economia Industrial
da UFRJ, e depois como professor e ideólogo da EAU-UFF. O seu livro A Cidade
como um jogo de cartas permanece um testemunho notável de uma época, mas também
uma experiência que ainda está para ser vivida pela prática profissional
brasileira. A explicitação do conflito, presente na nossa sociedade, e
portanto, nos desejos aflorados no processo de projeto, não impedia o alcance
do consenso, que jamais deveria suprimir o embate.
As cartas representam as várias formas de
oposição ou conjugação. Cada naipe é uma classe: copas o clero, espadas a
nobreza, ouros a burguesia e paus os camponeses. É fácil deduzir que, até a
burguesia pudesse se impor e fazer sua revolução, o naipe superior era espadas.
O predomínio de ouros é recente. A troca de precedências dá um suporte óbvio ao
argumento. SANTOS
1988 página 12
As
procedências nos apontavam as supremacias e dominações presentes nos desejos da
cidade e da habitação que buscamos, mais do que um juízo de valores era bom que
intenções fossem explicitadas para se compreender a amplitude do projeto. Havia
uma crença na processualidade do plano e do projeto, que ao materializar formas
e conceitos socialmente compartilhados estabelecia um jogo de longa duração,
que era a cidade, numa transformação constante. A base deveria partilhar uma
mesma estrutura ancestral e compreensível, por todos, um retorno à história da
cidade e aos seus elementos primários; a rua, o lote e a quadra, um limite mais
preciso entre esfera pública e privada. Mais também, do que um limite preciso
havia uma proposta de retorno a uma certa proporcionalidade entre o público e
privado, como entidades interdependentes que se auto regulavam. Mas longe da
comodidade das análises comportadas Carlos Nelson dos Santos sempre fustigava
na direção da síntese e da formulação concreta do projeto;
“O erro, porém,
não está em materializar o desejo de intervir no espaço através de estudos
preliminares que viram anteprojetos e projetos, se corrigindo sucessivamente.
Não é pela renúncia a responsabilidade de dar formas aos lugares, caindo nas
neutralidades cômodas dos diagnósticos e dos planejamentos que só cuidam de
generalidades, que iremos construir saídas.“ SANTOS 1988 página 17
Havia
aqui a clara interpretação do projeto como intervenção, síntese e prognóstico,
muito além das neutralidades objetivas das análises e diagnósticos, uma
atividade ou forma de conhecer o mundo intervindo. Muito além da mera dedução,
o que se cobra dos alunos nos ateliers de projeto é um compromisso com a
indução, transformação e imaginação com o vir-a-ser da cidade, e da sociedade.
A atividade didática de projeto é em sua essência empírica e experimental, não
podendo ser transmitida a partir de conteúdos teóricos, em suma; aprende-se
fazendo e exercitando. A experiência confere musculatura e confiança ao aluno
na sua capacidade de articular demandas, contexto, técnicas construtivas,
orçamento e valores simbólicos conformando uma representação do objeto. A
atividade é crítica, no sentido de que não se restringe a reproduzir uma
experiência espacial já constituída, mas ao mesmo tempo é operativa, no sentido
de uma síntese das experiências construtivas em andamento no conjunto da
sociedade. Foi Manfredo Tafuri (1935-1994), um
crítico de arquitetura italiano, que destacou um grupo específico de teóricos
como promotores da “crítica operativa do
real”[1]1[i].
Segundo TAFURI 1979, essa corrente aproximava a crítica da
arquitetura do campo da projetação, uma vez que se interessava pela definição
de um sentido para as construções humanas, capacitadora de uma ampliação da
civilidade. Os pensadores dessa corrente procuravam intuir a partir da história
ou da obra de determinados arquitetos, a construção de um sentido de
civilidade, tanto da arquitetura, quanto da cidade. O campo do plano e do
projeto de urbanismo ou de arquitetura sempre tiveram uma forte tendência pela
operatividade, pois pretendem a materialização da transformação. Mas, também
operam no campo da crítica, uma vez que apontam para transformações concretas
nos hábitos e costumes humanos materializados na espacialidade proposta. Há no
campo do plano e do projeto uma salutar tensão entre desejos de materialização
e o alcance de premissas utópicas, transformadoras de práticas arraigadas na
sociedade. A projetualidade é um conceito que envolve as complexas relações de
custo e benefício, cultura e inovação, representando a capacidade de operar no
sentido de um impulso de uma mudança, mas também de exercer uma crítica ao
desenvolvimento social instaurado. O projeto é enfim, uma forma de se abordar o
real é também uma forma de conhecimento, aonde o protagonismo está colocado no
futuro, no vir-a-ser da sociedade.
A pretensão aqui é fazer o aluno encarar o caráter da arquitetura
e do urbanismo como arte, entendida como força presente e sintética que coo
habita com suas premissas; funcionais, ideológicas e construtivas. Neste
sentido, a palavra arquitetura é esclarecedora quando dissecada, estando seu
significado ligado a uma dualidade enriquecedora e potencializadora;
“Assim precedendo ao termo tektonicos (carpinteiro, fabricante, ação de
construir, construção) acrescentou-se o radical arche (origem, começo,
princípio)...A arche é o centro da esfera social daquele Mundo, e deverá ser
traduzida nos edifícios, apresentando os deuses, a história e o espírito ético
do povo grego.” BRANDÃO 1991 página22
O conceito de arche, princípio equilibrado do universo, ponto de
equilíbrio entre o homem e o kosmos, como um signo síntese da ordenação do
mundo pelo homem é a chave que abre para nós a compreensão das várias
sensibilidades, que irão construir a idéia do homem moderno. A arche é um
conceito que está além da materialidade do edifício, mas que só é possível ser
desvendado pela sua própria materialidade. Como um mundo que a transformação
humana da natureza torna visível quando é desempenhada com preocupação estética,
portanto distinto da simples construção. Encontra-se neste conceito uma tríade
explicadora; primeiro uma volta a origem, segundo uma unidade ordenadora e por
último, uma expressividade que dá visibilidade ao mundo específico que a ele
está vinculado.
2. Premissas
Teóricas Específicas da Disciplina:
A partir dessas premissas gerais, a disciplina
de Projeto 5 estabelece com os alunos uma diferenciação conceitual fundamental
para a compreensão do processo de projeto em sua totalidade; a partir do
anteprojeto, consolidada uma solução, o projeto executivo irá se dedicar a
descrever de forma precisa a construção do objeto arquitetônico. De certa
forma, abandonando uma linguagem acessível a todos (leigos e especialistas)
para se comunicar com profissionais que militam na obra, que portanto,
compreendem plantas e cortes. A diferenciação, nessas duas formas de se
comunicar do projeto é banal e corriqueira, mas de grande importância para sua
expressão e linguagem. Afinal, o público que se debruçará sobre o projeto muda
seu perfil com a aprovação do anteprojeto, passando os documentos a ter um
caráter mais técnico e preciso.
Na verdade, um dos desafios da matéria Projeto
5 é no espaço exíguo de um semestre, quatro meses de aula ou 32 aulas de três
horas desenvolver e aprofundar um projeto executivo, que além disso, não
contará com o aporte das disciplinas complementares, tais como; estrutura,
instalações elétricas, instalações hidráulicas e sanitárias, impermeabilização,
etc... Aporte que se constitui num elemento fundamental do desenvolvimento do
executivo, uma vez que a interação com as disciplinas complementares se
constitui num efetivo aprofundamento das decisões de projeto, na prática
concreta. A pretensão é fazer os alunos vivenciarem a fenomenologia empírica do
projeto executivo, entendido como um conjunto de documentos coerente entre si,
que descrevem uma construção de forma precisa e detalhada, além do estudo
preliminar e anteprojeto. Essas duas etapas preliminares no desenvolvimento do
projeto acabam sendo os produtos mais corriqueiros dos alunos nas escolas de
arquitetura, pela exiguidade do tempo, pela impossibilidade da interação com as
outras disciplinas complementares, e por uma certa comodidade geral. Tal
situação, acaba gerando um profissional que sobrevaloriza o desenho, não o
entendendo como representação de um ato construtivo. Aquilo que MARTINEZ 2000
aponta como a representação analógica do construído, uma descrição do objeto
urbano ou arquitetônico, que se busca controlar e dimensionar de forma adequada.
O desenho é meio, e não fim em si mesmo, no entanto ele possui um claro poder
indutor e revelador, pois de certa forma aquilo que não é visto por ele, não
será contemplado.
Para fazer frente a esses condicionantes, uma
das hipóteses para alcançar esse aprofundamento era o desenvolvimento de
projetos pré desenvolvidos em matérias
anteriores, escolhidos pelos próprios alunos. Outra hipótese, seria o
oferecimento de um anteprojeto consolidado, que permitisse aos alunos o
desenvolvimento do projeto executivo desde as primeiras aulas do semestre.
Essas hipóteses não se revelaram aplicáveis, pois muitos dos alunos não
reconheciam em suas experiências anteriores, experiências bem sucedidas, e por
outro lado, um anteprojeto oferecido não produziria aquilo que todo militante
no projeto, e em seu ensino reconhece como um; envolvimento emotivo efetivo[2] na matéria de Projeto 5. Ítem fundamental na
obtenção de um engajamento efetivo na disciplina e no alcance de seus
objetivos, uma vez que projeto é também expressão artística, aonde a expressão
pessoal conta muito. Na verdade, a atividade de projeto se aproxima do ato
artístico em sua essência, afinal ela envolve a ordenação espacial, a eleição
de um sistema de proporções, uma particular relação orgânica e unitária entre
parte e todo, uma definição de uma materialidade adequada, enfim um processo
obsessivo de controle do objeto construído, que se aprofunda a medida que se
desenvolve. As considerações técnicas e estruturais desse processo não estão em
contradição com a criação e a concepção auto-biográfica, ou da expressão
pessoal, mas fazem parte da obtenção de uma certa potência, que deve ser
vivenciada pelo aluno a partir da experiência empírica, do aprender fazendo.
Figura
2: Croqui fornecido aos alunos das unidades duplex com núcleo de circulçao
vertical, que pretendem a diversidade de extratos sociais na estrutura
condominial
|
A saída encontrada pela matéria foi oferecer
aos alunos uma série de croquis genéricos, de duas unidades habitacionais de
sala e dois quartos, articuladas por um núcleo de circulação vertical, que
deverá ser usado pelos alunos de forma livre em sua reprodução, a partir de
terrenos concretos escolhidos por eles mesmos. Além dessa planta padrão é
definido, que o térreo da edificação deve oferecer um contínuo comercial à
cidade, a presença de módulos de loja, de forma a conformar uma edificação
multifuncional. As especificidades de funcionamento desse espaço comercial não
são definidas, devendo esse espaço ter flexibilidade para poder abrigar; um
bar, ou um restaurante, ou um cabelereiro, ou uma padaria, ou qualquer outro
comércio. Junto com a planta padrão e a loja genérica no térreo, é também
apresentada uma unidade com a mesma projeção horizontal, mas que se desenvolve
em dois pavimentos, uma unidade duplex. O argumento para inserção dessa outra
tipologia, o duplex, pretende fazer crítica a uma forma inercial de
desenvolvimento das cidades brasileiras, que estratificam de forma muito
violenta, classes sociais distintas. Portanto, a ordenação condominial pretende
se como multifuncional e com diversidade de extratos sociais, que são
aproximados pelo núcleo de circulação vertical. A partir da estruturação de uma
unidade condominial concreta, inserida num contexto urbano específico, o aluno
conforma um edifício multifamiliar, com comércio no térreo e com unidades de
metragens diferenciadas, com o claro objetivo de criticar a inércia do
desenvolvimento da cidade brasileira contemporânea. Isto é, identifica-se na
cidade brasileira características nefastas, que são a rigidez monofuncional,
áreas habitação ou dormitórios separadas das áreas de trabalho ou serviços, e
com a tendência de aglutinar extratos sociais diferenciados, guetos de pobres e
ricos,e com a presença de rodoviarismo exacerbado..
Figura
3 e 4: Croquis dos alunos explicitando os arranjos condominiais propostos a
partir da utilização das unidades habitacionais de simplex e duplex
3. Crítica
a cidade brasileira e a hegemonia modernista corbusieana:
Além dessa crítica a forma de reprodução da
cidade brasileira, os terrenos devem ser procurados pelos alunos em áreas
estruturadas e centrais, aonde já exista oferta de comércio e serviços abundante,
inserindo o uso habitacional. A proposta claramente pretende fomentar o habitar
no centro, aonde além da ampla oferta de comércio e serviços, também se faz
presente as comodidades da ampla mobilidade urbana, que possibilitam rápido
acesso a todas as partes do território metropolitano, sem a celebração do
automóvel particular. Esse preenchimento habitacional nas áreas centrais de
nossas cidades é uma efetiva ação de revitalização, pois o uso habitacional
acaba por demandar o próprio comércio, impulsionando seu uso mesmo nos fins de
semana e feriados, otimizando o uso de nossas infraestruturas, já instaladas.
Portanto, a estruturação condominial não obriga a oferta de vagas de
automóveis, buscando incentivar o uso dos diversos modais de mobilidade também
presentes nessas áreas. A partir disso, há uma relativização da legislação
urbanística imposta nessas áreas, liberando os alunos da configuração de
pavimentos garagem, numa clara vertente crítica ao rodoviarismo imperante.
Na verdade, o que se busca é a diversidade e
inclusão, numa clara crítica às premissas de reprodução da cidade brasileira,
que segue com um território estratificado entre ricos e pobres. A inclusão é o
maior desafio das cidades brasileiras, que possuem um passivo na sua história
de contínua exclusão de pessoas e áreas, que permanecem como guetos da pobreza,
desassistidos das infraestruturas mais básicas. Afinal, uma das características
mais marcantes de nossa sociedade é a marcante concentração de renda. De uma
maneira geral, nossos políticos e nossas políticas ainda não despertaram para o
fato de que a distribuição territorial da população pode ser um fator capaz de
distribuir oportunidades, e portanto renda de forma mais equânime. O simples
acesso a uma centralidade mais fortemente constituída, pode significar a
frequência em equipamentos culturais e ou educacionais de boa performance,
mudando de forma substancial a perspectiva de populações vulneráveis. A simples
implantação de saneamento básico em certas localidades afasta de maneira
significativa a ocorrência de doenças como desarranjo e difteria, que podem nos
primeiros anos de vida significar comprometimentos definitivos na capacidade
cognitiva de indivíduos.
A diversidade é didática, atesta tal fato a
estratégia adotada pelas universidades norte americanas, que há anos fazem um
esforço sistemático para reunir na mesma sala de aula alunos de diferentes
procedências e nacionalidades, na expectativa de que suas vivências
compartilhadas formem uma massa crítica. A excelência da universidade norte
americana possui um dos seus pilares nessa pré determinação, que possibilita
uma vivência de compartilhamento de experiências, que acaba produzindo um
aprendizado, onde a passividade dá lugar ao ativismo. A própria experiência da
nação norte americana3[ii],
que baseou seu desenvolvimento na atração de diferentes nacionalidades, e
durante a passagem do século XIX para o XX representou uma promessa para a
imigração de todos os povos. De certa forma, o Novo Mundo, da América em sua
totalidade também representou esse local de forma emblemática, um local onde as
oportunidades estavam abertas para pessoas do oriente e do ocidente. As
operações urbanas precisam encampar esse objetivo, incentivando o intercâmbio
entre diversidades.
A pedagogia de Paulo Freire, também aponta no
mesmo sentido, a diversidade é didática, capacitada de nos fazer relativizar
nossos valores, e portanto produz um impulso didático de relativização dos
nossos valores. A teoria dialógica de FREIRE 1970 aponta a premissa básica do
diálogo entre experiências de qualquer procedência como operação didática,
contraposta a concepção binária da educação, que não gerava autonomia do
pensar, mas dominação e colonização. Há aqui um nivelamento importante entre as
culturas do colonizador e colonizado, do centro e da periferia, numa nova
proposição de relação entre professor, aluno e sociedade. Trazer esses valores
para a ordenação do espaço físico das cidades, dos bairros e vizinhanças
imediatas é restaurar o sentido inicial das aglomerações humanas, onde a
diversidade é didática.
Há também aqui uma clara indução de
implantação, negando a cultura do modernismo corbusieano, que naturalizou a
presença dos pilotis nos térreos, destruindo a limitação historicamente bem
compreendida entre esfera pública e privada. Há uma clara pontuação por parte
do professor, de que o tema habitacional em nossas cidades contemporâneas é bem
resolvido a partir de uma graduação socialmente compreendida e compartilhada
entre esfera pública e privada, nas suas diversas nuances. Importante
salientar, que essas nuances e sua gradação na percepção dos usuários, que do
espaço público genérico de amplo acesso, passa-se ao espaço condominial
controlado, e desse para a intimidade da família e do lar. A limitação clara e
objetiva desses espaços reforça a vitalidade das nossas cidades, uma vez que a
interação social é ampla e diversificada, não se restringindo aos habitantes do
condomínio, mas também envolvendo; visitantes, entregadores, enfim,
estrangeiros a estrutura condominial. O que se enfatiza junto aos alunos é a
obtenção de uma estrutura legível e clara dessas graduações, que seja
socialmente compartilhada. Por outro lado, se identifica na postura do
urbanismo corbusieano um certo hiper dimensionamento do espaço público, que
acabou invariavelmente incentivando uma ocupação por perversões.
Figura
5 e 6: projeto de Bruno Taut para o
bairro de Karl Liegen Stadt, em Berlim. Um modernismo de continuidade com a
cidade pré existente novecentista, apresentado aos alunos como alternativa
ao modernismo corbusieano hegemônico no Brasil.
Na verdade, a crítica ao modernismo corbusieano
busca ampliar o vocabulário dos alunos, mostrando que a sensibilidade moderna
abriga uma grande diferenciação de posturas ideológicas e de leituras da
cidade, que não só a de Le Corbusier. De acordo com FRAMPTON 2008, tomando-se
os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs) percebe-se uma
clara hegemonia dos alemães até 1930, que após essa data terão a supremacia
corbusieana, e da sua visão urbana. As experiências de construções massivas
habitacionais da Alemanha da República de Weimar e da Europa Central são
apresentadas aos alunos, mostrando um modernismo de maior continuidade com a
cidade novecentista. As intervenções de Bruno Taut em Berlim e de Karl Ehn em
Viena, no período pré Hitler são apresentadas como ordenações que trabalham com
a mencionada graduação entre espaço público e familiar ou íntimo, permitindo
uma legibilidade da cidade socialmente compartilhada.
Figura
7: projeto de Karl Ehn em Viena para
o bairro de Karl Marx Hof. Um modernismo de continuidade com a cidade pré
existente novecentista, apresentado aos alunos como alternativa ao
modernismo corbusieano hegemônico no Brasil
.
|
4. Pré
definições modulares e estruturais:
Por último, é sugerido aos alunos a adoção do
método construtivo da alvenaria armada, técnica que é apontada pelo Sindicato
da Cosntrução Civil (SINDUSCON), como a mais barata por metro quadrado para os
empreendimentos habitacionais. E, capaz de realização de edificações de até
oito andares, impondo verticalmente a coordenação modular entre pavimentos. Tal
adoção pretende induzir os alunos ao raciocínio da modulação dimensional, como
um elemento fundamental para o controle técnico da construção. As
possibilidades e limitações desse método construtivo pretende impulsionar nos
alunos um maior compromisso com o raciocínio tectônico, aonde os desenhos se
afastam do esquemático, adotando seu real caráter descritivo e de representação
analógica do construído. É enfatizado o caráter dialógico e interdisciplinar do
projeto, aonde as contribuições e insites
aperfeiçoadores podem ser obtidos a partir da interação com as disciplinas
complementares, tais como hidraulica, esgoto sanitário, iluminação, estrutura,
impermeabilização, etc. O projeto de arquitetura é encarado como disciplina
coordenadora e indutora das demais disciplnas de projeto, não se eximindo no
entanto de interagir e se aprimorar com as informações técnicas. A dimensão
dialógica da arquitetura é reforçada. A arquitetura como disciplina
coordenadora das disciplinas complementares é definida como diretora das demais
disciplinas, sem no entanto se recusar a ser induzida por elas. A analogia
constantemente utilizada no Atelier é a da direção do filme, que não só
determina, mas se deixa também induzir pelo iluminador, pelo cenógrafo, pelo
figurinista, e outros. A estrutura, as instalações, as impermeabilizações são
encaradas como um aprimoramento técnico, que efetiva a componente estética do
projeto, não havendo contradição entre tectonia e beleza. A beleza está no
construído e não no desenhado.
Figura
8: Croquis de explicitação construtiva do sistema de alvenaria armada.
O
apoio dos computadores é bem recebido no atelier de desenho do projeto
executivo, no entanto suas limitações e distorções são assinaladas no sentido
de sensibilizar os alunos de que as complexas relações entre todo e parte são
prejudicadas por essa forma de desenhar. E, que o projeto em sua complexidade,
desde de suas fases preliminares de concepção envolve uma adequação e
compatibilização extrema entre parte e todo, que se mantém importante no
executivo. O desenho é encarado como um campo de consciência, aonde aquilo que
não é desenhado não pode ser pensado e decidido, a representação do problema e
do contexto precisa ser alinhavado para ser enfrentado. O processo de projeto é
encarado como o cotejamento de hipóteses de desenho aonde só é possível ter uma
escolha consciente na medida em que comparamos as opções. O fenômeno do
raciocínio projetual é uma reflexão sobre uma série de escolhas que se
demonstram coerentes entre si desde o início. Daí a importância de reforço
sobre a dimensão autoral do projeto, que ao se identificar com uma expressão
auto biográfica, se aproxima da arte e ao mesmo tempo da objetividade
construtiva. São constantemente reforçados, no âmbito do atelier a importância
do desenvolvimento do olhar, para soluções de detalhe consagradas pelo uso,
enfatizando a dimensão de patrimônio de bem comum construído a partir das
condições das intempéries no contexto da cidade do Rio de Janeiro, e das
experiências pretéritas. A coleta e classificação das soluções de detalhe, a
partir do olhar e da pesquisa dos alunos é uma dimensão constante, aonde a
capacidade da edificação de resistir ao tempo é enfatizada e reforçada.
A
partir desses apontamentos iniciais sobre o ensino do Projeto Executivo é
possível inferir algumas questões para o impulsionamento e aprofundamento da
formação no ofício de arquitetura e urbanismo.
·
A
compreensão do projeto como uma forma propositiva de abordagem do real,
recoloca a dimensão crítica desse instrumento para a sociedade, que na verdade
pode utilizá-lo para pré figurar outras condições da forma inercial de
reprodução histórica da cidade brasileira
·
A
atual condição de reprodução da cidade brasileira nos confronta com um
horizonte de exclusão continuada de amplas parcelas da população brasileira,
incitar os alunos a refletir sobre essa condição transforma o atelier de
projeto, dando-lhe uma dimensão crítica, que intensifica o envolvimento dos
alunos.
·
A
eleição dos terrenos por parte dos alunos, a partir de premissas locacionais
inseridas em contextos centrais, traz uma dinâmica de macro crítica a cidade
brasileira, que também aumenta o envolvimento dos alunos.
·
O
fornecimento das plantas padrão abrevia o processo de concepção do objeto,
dando-lhe um caráter de reunião e composição de elementos pré concebidos,
permitindo uma definição rápida do objeto a ser construído, e não retirando dos
alunos seu desejo de expressão auto biográfica.
·
O
entendimento do desenho a partir de computadores como uma ferramenta de
otimização das reproduções e repetições do projeto pretende afastar uma certa
fetichização desse instrumental, que hoje povoa o senso comum das escolas de
arquitetura.
·
O
exercício quer reforçar o compromisso com o objeto efetivo e construído,
entendendo o desenho como instrumento indutor e participante, mas como
representação do mundo real, que deve ser sua referência.
·
Uma
certa autonomização dos desenhos através das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) com relação ao canteiro de obras é um fato no mundo
contemporâneo, que seduziu fortemente as novas gerações. A crítica a essa
condição é fundamento do atelier de projeto também.
1 TAFURI
1979 página ... Há uma clara analogia nesse autor entre a projetação e a
crítica, entendida essa última como consciência da direção tomada pela
história, a partir das iniciativas humanas. A definição do projeto como teoria
crítica e operativa está nesse livro.
2[i] A categoria de envolvimento emotivo efetivo no projeto, desenvolvida por ROSSI ...
no livro Auto biografia científica desenvolve a ideia de objetividade
científica e expressão pessoal na fenomenologia do projeto, ítem considerado
essencial para o envolvimento entusiasmado do arquiteto ou aluno com a
disciplina e o conteúdo.
3[i] A referência para essa
história americana é dada por TOTA, Antonio Pedro – Os americanos
– Editora Contexto São Paulo 2009
6. Referências:
BRANDÃO, Carlos Antonio Leite
Brandão – A formação do homem moderno vista através da arquitetura –
editora Ap Cultural 1991 Belo Horizonte.
FRAMPTON,
Keneth – História Crítica da Arquitetura Moderna – Editora
Martins Fontes São Paulo 2008
FREIRE,
Paulo – A pedagogia do oprimido – Editora Paz e Terra Rio de
Janeiro 1970
MARTINEZ,
Alfonso Corona – Ensaio sobre o Projeto – Editora da UNB Brasília
2000, 200 páginas
MOREIRA,
Pedro da Luz – Projeto, Ideologia e Hegemonia, em busca de uma
conceituação operativa para as cidades brasileira – Tese de Doutorado
apresentada no PROURB em 2007
ROLNIK,
Raquel – Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era
das finanças – Boitempo São Paulo 2015
ROSSI,
Aldo – A arquitetura da cidade – Editora Martins Fontes São Paulo
1995
ROSSI,
Aldo – Para uma arquitetctura de tendência, escritos 1956-1972 –
Editorial Gustavo Gilli Barcelona 1977
ROSSI,
Aldo – Autobiografia científica
– Editorial Gustavo Gilli Barcelona 1984
SANTOS,
Carlos Nelson Ferreira – A cidade
como um jogo de cartas – EDUFF Niterói 1988
TAFURI,
Manfredo - Teorias e História da Arquitetura - editorial Presença
Lisboa 1979
TAFURI, Manfredo – The Sphere
and the Labyrinth, avant-gardes and architecture from Piranesi to the 1970,s
– MIT Press Bosto 1987
TOTA,
Antonio Pedro – Os Americanos – Editora Contexto São Paulo 2009
Bacana dmais :-)
ResponderExcluirTenho um blog relacionado à decoração que talvez queira ver, eis um dos artigos: Vaso grande para sala. Vlw! ;-)