Professor Associado da EAU-UFF
Doutor pelo PROURB 2007
RESUMO:
Karl Liegen Stadt de 1929 conjunto do arquiteto Bruno Taut
na Berlim da República de Weimar, um modernismo
integrado a cidade novecentista
|
O presente texto pretende discutir as complexas
interrelações entre a configuração do urbano e a saúde, e se essa está
capacitada a apontar um modelo físico de cidade. Isto é, a busca pela cidade
saudável estaria capacitada a gerar uma forma de ocupação espacial, que
otimizasse os parâmetros da saúde em ruas, quadras e lotes. Elementos
estruturais da divisão entre esfera pública e privada, que se constituem no
vocabulário de formulação do tecido da cidade desde tempos imemoráveis. O
debate envolve também a habitação e sua produção em larga escala, de forma a
que seja acessível a amplas parcelas da população. Mas, aqui é fundamental
pensar a habitação no contexto da cidade, cercada de serviços e propiciando uma
vida urbana densa e diversificada, aonde usos diferenciados se aproximam. Se a
proposição de modelos fechados é tida hoje como autoritária, a explicitação de
princípios norteadores ao final do artigo pretende apenas fomentar um debate,
que nos guie à cidade saudável.
INTRODUÇÃO:
O artigo aqui desenvolvido debate a partir dos eventos do
ano de 2020 na cidade do Rio de Janeiro, a construção de quatro eixos
estruturadores capazes de direcionar para a cidade saudável. Os eventos são O
Congresso da UIA2020Rio e a Capital Mundial da Arquitetura[1],
que acontecerão na cidade do Rio de Janeiro em 2020. A partir desses eventos
faz-se uma ampla revisão histórica do que foi o urbanismo e a produção
habitacional, principalmente no seu enfrentamento da moderna cidade industrial,
que determinou uma grande afluência de população para nossas cidades. A
presente reflexão se debruça sobre a sensibilidade modernista, que conquistou
corações e mentes do mundo em uma diversidade de lugares, que se esgota ao
final da 2ª Grande Guerra, com as bombas de Nagasaki e Hiroshima, no Japão.
Logo depois, o texto tenta mapear nossa contemporaneidade, apontando que a
desconfiança com o cânone modernista nos lança em uma grande insegurança, que
na verdade confronta o localismo ao globalismo, direcionando-nos para a
necessidade de adoção do multiculturalismo. A inclusão e a promoção de um
desenvolvimento que não mais exclua parcelas significativas da população parece
se constituir como o paradigma maior a ser enfrentado pela contemporaneidade. A
própria massificação do mundo contemporâneo parece nos apontar para uma prática
distanciada das vanguardas, aonde o acesso ao conhecimento se generalizou de
tal forma, gerando uma pluralidade de posicionamentos que parecem
inconciliáveis.
A participação e a administração dos conflitos no seio da
nossa sociedade apontam para uma nova perspectiva aonde a construção de
consensos parece ter se inviabilizado. O plano e o projeto emergem nesse contexto
como fóruns que propiciam o debate e explicitam conflitos, que são
provisoriamente acomodados. A processualidade se implantou de forma definitiva,
mostrando-nos que as desigualdades e fragilidades da existência contemporânea
no lançam num tempo de incertezas e dúvidas. Apesar disso, é reafirmada a
continuidade do projeto moderno, na sua pretensão de construir a
auto-determinação dos povos. Ao final, são apresentados quatro pontos sínteses,
que combatem a forma inercial de reprodução histórica da cidade brasileira,
combatendo seu projeto de exclusão de amplos setores de nossa sociedade, e
afirmando a necessidade absoluta da inclusão.
1. Todos os Mundos. Um só mundo. Arquitetura 21
O título acima é o tema eleito para o Congresso Internacional de
Arquitetos, que se realizará na cidade do Rio de Janeiro em 2020, conquistado
pela rede do Instituto de Arquitetos do Brasil em 2014 em Durbhan na África do
Sul; o Congresso UIA2020Rio. No
mesmo ano, se realizará a Capital
Mundial da Arquitetura, título concedido pela UNESCO, que também se utiliza
do mesmo tema assinalado. A ideia contempla e celebra o multiculturalismo e a
diversidade presente em nossas cidades com a pluralidade de culturas do
construir, mas também sinaliza para a unidade de nosso planeta. E, para o
impacto ambiental representado por essas mesmas cidades no meio ambiente
natural, aonde estão territórios que ocupam apenas 2% da área do planeta, mas
concentram grande parte da geração da poluição. O tema denota a busca de um
modelo, aonde o localismo é respeitado, sem descuidar de uma consciência
global, quando construímos o meio ambiente humano. O que queremos com esse
tema? Como a arquitetura e o urbanismo se inserem na sociedade contemporânea e
na brasileira? Como esses ofícios estão inseridos na cultura do nosso tempo?
Qual a relevância do plano e do projeto na sociedade contemporânea e
brasileira? Para responder a tais perguntas será necessário fazer uma breve
revisão histórica sobre o nosso recente passado arquitetônico e urbanístico. Quais
projetos foram compartilhados por diversas sensibilidades e que pretenderam
enfrentar o problema da moderna cidade industrial, que passou a ser de forma
definitiva o cenário da vida da maioria da humanidade nos últimos 150 anos.
Em 2030, seis entre dez pessoas viverão em cidades. Hoje em dia 1 bilhão de pessoas vivem em favelas ou em loteamentos irregulares. Em 2030 serão 2 bilhões de pessoas e em 2050 3 bilhões de pessoas estarão na informalidade[2]. Além desses dados a relação pessoas por domicilio passará nos próximos dez anos no Brasil; de 2,9 habitantes, para apenas 2 habitantes[3], o que significa que a demanda por habitação aumentará enormemente. A questão da habitação é central desde o advento da moderna cidade industrial, pois aproximadamente 80 % do contínuo construído das cidades se refere a esse uso.
Em 2030, seis entre dez pessoas viverão em cidades. Hoje em dia 1 bilhão de pessoas vivem em favelas ou em loteamentos irregulares. Em 2030 serão 2 bilhões de pessoas e em 2050 3 bilhões de pessoas estarão na informalidade[2]. Além desses dados a relação pessoas por domicilio passará nos próximos dez anos no Brasil; de 2,9 habitantes, para apenas 2 habitantes[3], o que significa que a demanda por habitação aumentará enormemente. A questão da habitação é central desde o advento da moderna cidade industrial, pois aproximadamente 80 % do contínuo construído das cidades se refere a esse uso.
Manchester de uma comunidade a várias |
Há um desenvolvimento
explosivo da população urbana no mundo, um processo que se acelera de forma
definitiva com a Revolução Industrial. Na Inglaterra entre os séculos XVIII e
XIX, a cidade de Manchester tinha no ano de 1760 doze mil habitantes, em 1850
ela atinge quatrocentos mil habitantes[4]. No Brasil a cidade de São
Paulo tinha em 1930 novecentos mil habitantes, chegando em 2011 a vinte milhões
de habitantes[5].
Nos próximos dez anos está previsto um êxodo rural da ordem de 200 milhões de
pessoas na China, ou o correspondente a dez cidades de São Paulo.
Portanto, o desafio
colocado para a arquitetura e urbanismo contemporâneos nesse inicio do século
XXI, se refere ao problema iniciado pela cidade industrial, que determinou
contingentes populacionais cada vez mais expressivos, que se destinam a elas. A
história recente da humanidade nos oferece um rico referencial, mostrando como
a cultura arquitetônica e urbanística procurou dar resposta a esses problemas[6].
Historicamente, o movimento urbano higienista de meados do século
XIX até o início do século XX sintetizou um modelo de cidade, que alimentou
intervenções como; Plano Cerdá (Barcelona 1848), Hausmann (Paris, 1853), Plano Dardo
Roca (La Plata Argentina 1882), Plano Aarão Reis Belo Horizonte, Brasil 1897).
Apesar da diversidade de contextos percebe-se nesses planos uma estrutura
comum, que contrapõe uma malha de avenidas mais espaçada, contraposta a uma
malha de vizinhança regular, que conforma a base de todo o desenho. Esses
planos e intervenções urbanas são nomeados pelos historiadores, sobre
diferentes nomes; neoclássico (BENÈVOLO 1983), higienista (HALL, 2002),
primeira modernidade ou belle epoche
(AYMONINO 1972). Muito além dos nomes, as cidades reformadas ,ou os planos para
novos territórios representaram uma clara morfologia, aonde as ações do
circular rápido (grandes avenidas), e ruas de vizinhança foram separados e
diferenciados por geratrizes de desenho distintas. Nos casos de ampliação sobre
território virgem, como Barcelona, La Plata e Belo Horizonte, essa recorrente
repetição chega ao dimensionamento das quadras, ruas vicinais e avenidas, que
possuem dimensões iguais[7]. Além
dessas cidades, o Brasil foi marcado pela geração dos engenheiros higienistas,
como Aarão Reis, principal artífice da nova capital mineira, mas também
ideólogo das transformações da capital da república em 1905 no governo Pereira
Passos. Também, Saturnino de Brito engenheiro sanitarista nascido em Campos dos
Goytacazes que trabalhou em várias cidades, como Santos e Recife marcou esses
territórios a partir da definição de padrões para avenidas, ruas, quadras e
lotes[8]. Essa
atitude denota a presença de um modelo, que representa a cidade burguesa por
excelência, que é também a última consolidação de um modelo de desenho, no
campo do urbanismo.
2. Modernismo:
Oto
Wagner, arquiteto vienense projeta em 1901 o Metrô de Viena, não apenas as estações, mas toda a rede. |
Essa primeira modernidade será sucedida pelo modernismo das vanguardas
centro-europeias[9],
que pretenderam construir uma cidade que fizesse frente ao imenso êxodo rural,
que assolava as cidades da Europa e da América do Norte. O modernismo é um
fruto da grande cidade industrial, a cidade de Chicago na passagem do século
XIX para o século XX assiste um debate entre o Movimento do City Beatiful de
Burnham - academicista e eclético - e as tendências organicistas e modernistas
de Sullivan e de Wright[10] que se antecipam em vários
anos aos debates das vanguardas centro-européias. A cidade de Chicago, por sua
dinâmica explosiva e de rápido crescimento representou um palco aonde a
primeira modernidade se confronta com a segunda. A Escola de Chicago anuncia a
hegemonia americana[11], que se materializará de
forma definitiva no segundo pós-guerra, o debate é entre a produção
estratificada no tempo da cidade tradicional (city beautiful), ou a
produção massiva e repetida da nova cidade industrial.
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O
conjunto Karl Marx Hof de 1930 em Viena, produção habitacional para a demanda explosiva de habitação da moderna cidade industrial |
As vanguardas centro-européias seguindo preceitos da Escola de Chicago,
fundaram o modernismo com a pretensão de instituir uma nova objetividade (neue
sachlichkeit), na qual os monumentos eram a morte da arquitetura, onde se
buscava uma nova essência que estava na grande cidade industrial. Basta lermos
os textos de Adolf Loos[12] ou Oto Wagner[13], arquitetos da Secessão
Vienense, que afirmavam a emergência de uma nova ética do construir, onde o que
lhes interessava não eram mais os programas como; organismos governamentais, o
teatro de ópera ou o parlamento, a arquitetura da excessão, mas sim a habitação
extensiva das periferias intermináveis da cidade industrial européia. A casa do
operário ou da classe média, que se constituia na grande massa edificada da
cidade industrial, as periferias desse fenômeno inusitado que também explodia
na Europa na sua escala e tamanho, determinando um contínuo construído rápido, feio e inadequado. As administrações
socialistas e social democráticas do período da República de Weimar na Alemanha
e de outros países adjacentes, que construíram uma série de experiências
habitacionais interessantes. As infraestruturas urbanas e a habitação produzida
em massa são os temas eleitos pelas vanguardas centro-européias, procurando a
partir do industrialismo redimir a cidade moderna.
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O
conjunto do Pedregulho de 1947 de Afonso Eduardo
Reidy no Rio de Janeiro
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Não há como negar que o modernismo conquistou corações e mentes em todas
as partes do mundo, com diferentes nuances e formulações ele encarnou um desejo
na sociedade de ampliação da autonomia dos povos na definição de seu futuro, de
seu vir a ser[14].
O modernismo celebrava uma ideologia industrialista, que acreditava na
superação dos problemas da humanidade, a partir da repetição e do standart. No
campo da produção habitacional de massa há exemplos de experiências notáveis,
que pareciam demonstrar a potência do industrialismo para resolução dos
problemas da moderna cidade industrial europeia.
3. Crítica e revisão ao movimento moderno:
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Em 1961
a jornalista Jane Jacobs publica Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas |
No começo da década de 60, a jornalista Jane Jacobs decreta a perda da
vitalidade das cidades americanas em função de um rodoviarismo exacerbado,
presente no modernismo nos projetos de Le Corbusier como o Plano Voisin para
Paris.
"As cidades tem a
capacidade de prover algo para alguém, somente porque, e apenas quando, são
criadas por todos... Não existe melhor expert na cidade do que aqueles que
vivem e experimentam seu dia a dia." JACOBS 1961
página27
As intervenções de Robert Moses em Nova York elegem o rodoviarismo e
destroem relações de vizinhança e de comunidades, a hegemonia do automóvel
determina um certo isolamento do indivíduo na grande metrópole, reduzindo o
espírito de participação na cidadania. Los Angeles emerge como paradigma do bem
viver, onde o automóvel se articula com a baixa densidade, surgindo um modelo
de baixa interação social e isolamento do ser urbano. A habitação unifamiliar
se exila num idílio, próximo da natureza, com uma garagem abarrotada de
automóveis, sem qualquer disponibilidade para a urbanidade.[16]
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O 1o Congresso Internacional de
Arquitetura Moderna de 1928 reúne trinta arquitetos |
A década de 60, explode com a emergência de um mundo que decreta o fim
das vanguardas e a presença de uma grande massificação em todos os campos. O
mundo elitizado da segunda modernidade dá lugar a uma imensa massificação, que
pode ser exemplificada nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna,
que começam em Sarraz no ano de 1928 com vinte e quatro arquitetos e terminam
em Dubrovnick no ano de 1956 com uma multidão de estudantes[17].
Filósofos como LYOTARD (1979) e FUKUYAMA (1992) decretam o fim dos discursos explicadores da modernidade como o marxismo e o iluminismo, que construiam uma ética do agir e do pensar. Emerge uma lógica localista, que se rebela contra o pensamento sistêmico e estruturador do modernismo. Desenvolve-se a consciência de que a utopia modernista era autoritária e congelava as aspirações de realização das futuras gerações, impedindo-as de pensar a partir de suas condições.
Filósofos como LYOTARD (1979) e FUKUYAMA (1992) decretam o fim dos discursos explicadores da modernidade como o marxismo e o iluminismo, que construiam uma ética do agir e do pensar. Emerge uma lógica localista, que se rebela contra o pensamento sistêmico e estruturador do modernismo. Desenvolve-se a consciência de que a utopia modernista era autoritária e congelava as aspirações de realização das futuras gerações, impedindo-as de pensar a partir de suas condições.
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Em 1980 Ronald Reagan assume a presidência dos EUA, impondo uma forte desregulamentação do capital |
Em 1979 Margareth Thatcher assume como primeira
ministra britânica, em 1980 Ronald Reagan assume a presidência dos EUA,
desenvolvendo-se uma enorme desregulamentação do capital. O wellfare state ou
estado de bem estar social desmorona, uma transformação que esvaziou o uso
industrial e fez emergir um contínuo de serviços financeiros e especulativos,
que passaram a representar no mundo anglo saxão, um terço do emprego
disponível. Inicia-se uma forte hegemonia do capital financeiro no mundo[18]. Em 9 de novembro de 1989
cai o muro de Berlim, que dividia a Alemanha em dois, e o mundo da Guerra Fria
das duas superpotências apresenta sinais de esgotamento.
Em meados dos anos 1990 o advento da internet e das Tecnologias de Informação e Comunicação lançam para a humanidade a possibilidade de acessar um amplo acervo de informações, que determinam uma imensa dispersão de energias, parecendo inviabilizar a possibilidade de construção de prioridades e consensos. A política se fragmenta numa infinidade de interesses que parecem irreconciliáveis, apontando para a impossibilidade da construção de consensos.
4. As respostas da crítica, ou a permanência do Projeto Moderno:
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1979 Teatro do Mundo Aldo Rossi |
No campo específico da arquitetura e do urbanismo, Kevin Linch[21] e Aldo Rossi[22] apontam para a
processualidade da construção da cidade, reforçando conceitos como o da
Legibilidade, e o da História. Emerge a idéia das pré-existências na cidade e a
leitura de que o projeto da cidade é único e coletivo, desenvolvido no longo
tempo por uma série de agentes e atores. Emerge a idéia de legibilidade das
partes da cidade, a partir da experiência concreta da vida nesses espaços.
O crítico italiano de arquitetura Manfredo Tafuri lança em 1968 o livro História e Teorias da Arquitetura, no qual elabora a idéia do arquiteto como ideólogo do habitar, um formulador de conceitos e proposições que propõe o Bem viver e possuem a capacidade de contaminar a sociedade para suas formas de operação e de prática[23]. Em 1977 o arquiteto Christopher Alexander lança o livro A Patern Language (Uma linguagem de padrões)[24], que se propõe a mapear a gênese da evolução da forma no processo de desenvolvimento do espaço construído, com o claro interesse de impulsionar a participação do usuário na elaboração do seu ambiente. Desenvolve-se nos EUA o advocacy planning ou projeto participativo, no qual o processo de construção do vir a ser de comunidades específicas é celebrado como a verdadeira pulverização da democracia.
O crítico italiano de arquitetura Manfredo Tafuri lança em 1968 o livro História e Teorias da Arquitetura, no qual elabora a idéia do arquiteto como ideólogo do habitar, um formulador de conceitos e proposições que propõe o Bem viver e possuem a capacidade de contaminar a sociedade para suas formas de operação e de prática[23]. Em 1977 o arquiteto Christopher Alexander lança o livro A Patern Language (Uma linguagem de padrões)[24], que se propõe a mapear a gênese da evolução da forma no processo de desenvolvimento do espaço construído, com o claro interesse de impulsionar a participação do usuário na elaboração do seu ambiente. Desenvolve-se nos EUA o advocacy planning ou projeto participativo, no qual o processo de construção do vir a ser de comunidades específicas é celebrado como a verdadeira pulverização da democracia.
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Nova York, apesar de um plano
homogeneizador de 1811, a cidade gerada é diversa e variada |
No Brasil em 1988 Carlos Nelson dos Santos lança o livro A cidade como
jogo de cartas[25],
no qual celebra uma certa neutralidade do desenho da grelha, que impulsiona sua
apropriação por diferentes agentes no longo prazo da cidade. O Plano de Nova
York de 1811 é celebrado, pois apesar de decretar uma imensa homogenização do
território baseado na malha xadrez, em um padrão de ruas e avenidas, e até nas
mesmas dimensões dos lotes, acaba por gerar uma cidade diversificada. Os
elementos celebrados são a rua, a quadra e o lote como unidades em torno dos
quais o jogo da cidade é jogado. Num paradoxo, Carlos Nelsom dos Santos aponta
que apesar desse inicio homogenizador a ilha de Manhattan apresenta hoje grande
diversidade de tipologias, usos e contínuos diferenciados. Se restabelece a
possibilidade da construção utópica, que deixa de ser um objetivo fixo e
congelado, mas a celebração de uma processualidade que restabelece a
necessidade da presença contínua da criatividade das futuras gerações. O jogo
pressupõe agentes e atores igualmente empoderados, que declaram suas intenções
e negociam objetivos, a racionalidade abandona a subjetividade isolada e se
aproxima da inter-subjetividade.
Kenneth Frampton lança em 2002 o livro Studies on Tectonic Culture[26], no qual aponta a
saturação do problema do símbolo e da representação no campo da arquitetura,
apontando como saída o desenvolvimento da tectônica, as opções construtivas
como um vetor de reessencialização para os arquitetos. O compromisso com o
construído. As obras de grandes arquitetos são analisadas a partir da escolha
de diferenciados modos de construção, que recolocam a complexa relação entre
custo e benefício no projeto.
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Museu de Arte Romana em Mérida, arquiteto Rafael Moneo |
O arquiteto atuante Rafael Moneo lança em 2008 Inquietação Teórica e
Estratégias Projetuais[27], no qual rejeita a adoção
de um personalismo de linguagem por parte dos arquitetos, celebrando a idéia da
reinvenção do arquiteto a cada novo projeto. Cada novo projeto representa uma
oportunidade, que demanda do arquiteto uma leitura específica de cada lugar,
celebrando uma reinvenção particular a cada novo projeto. Moneo também percorre
no livro a obra de arquitetos notáveis, identificando em cada um deles as estratégias
para convencer a sociedade da relevância do fazer arquitetônico. Nesse percurso
reflete sobre a auto biografia de cada arquiteto, encarando as oportunidades de
cada projeto como um momento estratégico de celebração do ofício. A obra
construída de Moneo revela muito desse ecletismo de linguagem, principalmente
quando comparamos o Museu de Arte Romana de Mérida de 1985, com o Kursaal de
San Sebastian de 1999.
O Plano Voisin para Paris de 1925, destruição da cidade histórica; torres
e rodoviarismo
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Estamos às vésperas do Congresso UIA2020Rio
e da Capital Mundial da Arquitetura,
que começarão em 01 de janeiro de 2020, e se estenderão por todo o ano,
culminando nas futuras eleições municipais brasileiras, que ocorrerão em
outubro de 2020, no seu primeiro turno. Essas eleições serão diversas de todas
as outras que ocorreram anteriormente no Brasil, por uma série de fatos que
atingiram nosso meio ambiente político, tirando-o de uma inércia estabelecida.
O periodo do Congresso Mundial
UIA2020Rio e da Capital Mundial da
Arquitetura também pode ser uma oportunidade ímpar para refletir sobre que
cidade temos, e qual queremos construir para as futuras gerações? O que
aconteceu com nossas cidades, ou para onde estamos indo? Ou melhor, qual imagem
da boa cidade que elegemos como modelo entre nós? Qual forma-tipo de cidade que
compartilhamos como representação ideal do bem viver? Apesar dos modelos
estarem esgotados, e, como defendem alguns teóricos, vivemos um momento pós
hegemônico, onde não é mais possível a eleição de uma forma tipo sintética e
representativa; será que ainda é possível compartilhar princípios norteadores
da cidade que queremos ter?
Um princípio geral vem pautando a política no Brasil nos últimos anos e
tudo indica que continuará na nossa agenda, que é a busca por uma sociedade com
maior equidade, ou melhor distribuição de renda. O senso comum da sociedade
brasileira de uma maneira geral não identifica nas atribuições do governo
municipal, ou na estruturação do espaço construído da cidade a capacidade para
promover ou induzir uma melhor distribuição de renda. De uma maneira geral, o
brasileiro considera que a promoção de maior equidade em nossa sociedade é
fruto apenas de políticas nas áreas da saúde, da educação, do salário mínimo,
mas nunca da nossa ordenação espacial.
No meu modo de entender esse é um grande equívoco, uma vez que a
qualidade espacial da cidade pode representar uma apropriação indireta de renda
para parcela significativa da população. Por exemplo, se temos melhores
condições de mobilidade, que garantam tempos médios pendulares menores dos
deslocamentos casa e trabalho, a população poderá se apropriar de um maior
tempo livre, que pode representar incremento de renda, ou de qualidade de vida.
Se tivermos melhores condições de saneamento nas nossas cidades, menos poluição
e menos tempos em nossos deslocamentos teremos menos gastos em saúde, e,
portanto apropriação indireta de rendas suplementares. A estruturação espacial
ou a política urbana de nossas cidades é um fator primordial para se alcançar
maior equidade na sociedade brasileira, afinal a segmentação espacial das
nossas cidades está determinada por forte clivagem entre as classes.
Há no mundo contemporâneo um modelo econômico hegemônico baseado no
neo-liberalismo, uma forma de operar que celebra a iniciativa particular ou
mesmo coletiva, desregulamentada das formas tradicionais de controle do Estado,
apesar da afirmação recorrente de uma realidade pós-hegemônica. As iniciativas
públicas ou articuladas pelo Estado são vistas com desconfiança, e consideradas
incapazes de promover processos bem sucedidos, ou virtuosos. Essa proposição
começa a se desenvolver na década de setenta do século XX, que é apontada como
um momento de crise e de virada da regulação internacional acertada pelo acordo
de Bretton Woods, que regulava as finanças desde 1944, e que começava a
apresentar sintomas de esgotamento. A partir desse momento irá se articular uma
narrativa, que impõe a desregulamentação financeira e a austeridade fiscal.
Em 1973 o golpe de estado no Chile impõe uma ideologia neo-liberal no
país, em 1975-76 a disciplina fiscal é implantada no Reino Unido pelo FMI, e
também em 1975 a cidade de Nova York
inicia a aplicação de rigorosa meta fiscal, após sua declaração de
inadimplência[28].
No final dos anos setenta, as eleições de Thatcher e Reagan marcam a conquista
do poder pelo discurso neo-liberal, que passa a pautar nosso cotidiano com a
ideia da desregulação econômica e liberação do empreendedorismo individual. Muitos
dos fluxos financeiros aprisionados por regulações estatais passam a circular
pelo mundo de forma livre, e, sem conseguir ser sequer monitorados por
qualquer tipo de regulação fiscal, afinal as iniciativas estatais continuam
sendo vistas com desconfiança.
Em 2008, uma crise sem precedentes se abate sobre a economia americana,
grandes instituições financeiras sugadas pela quebra de confiança no sistema de
hipotecas e nos seguros a sua volta ameaçam grandes conglomerados rentistas,
que são classificados como; "so big to crash".[29] O governo americano,
temendo um efeito dominó em toda a atividade econômica, semelhante a crise de
1929, aporta grande quantidade de capital do contribuinte americano,
socializando os prejuízos. Alguns economistas liberais, como Stglitz[30] e Piketi[31] apontam a necessidade de
retorno da regulação, que deverá ser globalizada para controlar a especulação
desenfreada.
Os insistentes marxistas, como o crítico cultural Jameson[32] e o geógrafo Harvey[33] recolocam a questão da
tendência preferencial do sistema pela forma líquida monetarizada, que se
materializa de forma mais concreta nas bolsas e investimentos rentistas, mas
também no espaço, e em processos especulativos nas cidades. Apesar disso tudo, permanece
a desconfiança pelas iniciativas governamentais e públicas, que ainda são
vistas como esforços arrecadatórios mantenedores de aparatos burocráticos, que
apenas visam sua reprodução e auto-sustentação, sem qualquer interesse público
ou projeto republicano.
Por outro lado, as cidades passam a concentrar e expressar imensas
manifestações de rebeldia e de insatisfação, explodem aglomerações em várias
partes do mundo, que reinvindicam melhores condições de habitar e de circular
sem a capacidade de formular uma pré-figuração alternativa para o módus
operandi do status quo hegemônico. É nas cidades que se materializa uma imensa
segmentação e fragmentação de oportunidades, uma concentração desequilibrada de
benefícios que atendem a uma minoria. O território de nossas cidades demonstram
de forma didática a segmentação da sociedade, a cidade capitalista neo-liberal
é produtora de imensas áreas de exclusão, enquanto outras muito restritas se
globalizam.
Portanto, se não há mais possibilidade para os modelos pelo seu
esgotamento, os princípios da boa cidade precisam ser explicitados de forma a
dar sentido as imensas manifestações de rebeldia. A cidade deve encontrar um
princípio geral na busca da promoção da equidade, um território urbano onde
está universalizado o acesso às infraestruturas urbanas é o objetivo maior. Por
outro lado, as cidades brasileiras precisam transformar o modo como vêm sendo
construídas, para tanto, sugere-se priorizar quatro proposições objetivas:
* a Cidade deve ser compacta e densa, evitando-se a dispersão
interminável e enfatizando-se o papel aglutinador do antigo centro histórico;
* a Cidade deve ser lugar da convivência da diversidade de classes e de
usos, evitando-se os guetos de ricos e pobres e a monofuncionalidade;
* a Cidade deve ter mobilidade efetiva para todos, evitando-se a
exclusão determinada pela ineficiência ou tarifação alta dos sistemas de
transporte coletivo;
* a Cidade deve ampliar o reconhecimento da ecologia e dos biomas
locais, construindo-se melhor relação com a natureza.
6. NOTAS:
[1]
Disponível em www.uia2020rio.archi
[2]
Dados disponíveis no site da ONU, sobre os Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS) https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/
[3] Disponível
na pesquisa nacional por domicílio PNAD contínua, que projeta para 2030 esse
resultado. Ver https://www.ibge.gov.br/
[4]
BENEVOLO 1983 página 557
[5] REIS
2004 página 17
[6]
HALL 2002 descreve as terríveis condições das primeiras cidades industriais “A
cidade da noite apavorante”
[7]
MOREIRA 1999 página 27
[8] CARVALHO
(org.) 2010 descreve as experiências de Saturnino de Brito em Recife
[9] A
referência as vanguardas centro-europeias está em TAFURI 1979, que identificou
na Alemanha, Austria, Russia e outros países o impulso do modernismo
[10]
DAL CO (org.) 1975 – La ciudad americana de la guerra civil al New Deal –
compilação de vários autores
[11]
ARRIGHI 1996 destaca a hegemonia cultural Estado Unidense como uma conquista a
partir do 2º pós Guerra
[12]
LOOS 1980 condena a ornamentação na arquitetura
[13]
WAGNER 1983 OBRAS COMPLETAS
[14]
KOPP 1990 página 42
[15]
HABERMAS 2002 página 153
[16]
MOREIRA 2007 página 87
[17]
FRAMPTON 1997 página 328
[18]
ARRIGHI 1996 desenvolve a ideia de que o mundo contemporâneo é dominaod pela
hegemonia do capital financeiro.
[19]
HABERMAS 1987 página 125
[20]
HABERMAS 2002 página 412
[21]
LINCH 1999
[22]
ROSSI 1995
[23]
TAFURI 1979
[24]
ALEXANDER 1977
[25]
SANTOS 1988
[26]
FRAMPTON 2002
[27]
MONEO 2008
[28]
DARDOT e LAVAL 2016 indicam a instalação
no mundo contemporâneo do neo-liberalismo, a partir do Golpe de Estado no Chile
[29]
DARDOT e LAVAL 2017 apontam o conceito
de comum como algo que transcende a esfera pública e privada, e como os governos
foram privatizados pela lógica financeira
[30]
STIGLITZ 2013 aponta a necessidade de se retomar a regulação do sistema
financeiro para estancar a crise, trata-se de um Prêmio Nobel de Economia
[31]
PIKETI 2015 também aponta a necessidade de se operacionalizar um imposto de
âmbito mundial, que regule os fluxos financeiros. Internacionais.
[32]
JAMESON 2001 aponta como o capital financeiro se articula com o capital
imobiliário na cidade contemporânea, impulsionando o caráter especulativo da
economia em geral.
[33]
HARVEY 2013 aponta como determinadas cidades americanas foram aprisionadas pelo
capital especulativo imobiliário e financeirO
7. BIBLIOGRAFIA:
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