A transformação da Itália |
"O capitalismo é um fenômeno mundial e seu desenvolvimento desigual significa que as nações não podem estar individualmente no mesmo nível de desenvolvimento ao mesmo tempo...o ímpeto de progresso não estar firmemente vinculado ao vasto desenvolvimento local [...] mas, ao contrário, ser reflexo de desenvolvimentos internacionais que transmitem suas correntes ideológicas para a periferia - correntes nascidas do desenvolvimento produtivo dos países mais avançados." GRAMSCI Q19 página90
A via reacionária de modernização capitalista é um pouco a tônica da nossa história, tanto no caso da Revolução de 1930, como também na Ditadura Civil e Militar de 1964, ambas com claras conotações autoritárias, que afastam os setores populares sempre com o argumento do despreparo ou imaturidade das massas de defender seus interesses. Na verdade, alguns autores (VIANNA 1997) retrocedem ainda mais atrás em nossa história nessa analogia com o conceito gramsciano da Revolução Passiva, na transmigração da familia real portuguesa para a Colônia, que se deve a um movimento defensivo em relação à irradiação da Revolução Francesa, sob Napoleão. Nesse contexto, a condução da expansão da acumulação capitalista é feita também a partir do Estado, com uma clara hipertrofia das suas iniciativas frente as dos indivíduos e cidadãos. Uma espécie de minoridade das ações moleculares, dispersas na sociedade civil, que invariavelmente esperam a iniciativa indutora do Estado, que estão presentes nas nações de desenvolvimento tardio do capitalismo; Alemanha e Itália, mas também o Brasil. O modelo de capitalismo renano-prussiano, aonde o Estado assume maior protagonismo traz consigo uma via autocrática e autoritária, que ao mesmo tempo que implanta a nova ordem concorrencial, também paternaliza e reprime as iniciativas moleculares na sociedade. Essa argumentação possui profundos vínculos espaciais, determinando um centro irradiador e a periferia, mas também sub centros modernizadores, como o norte da Itália ou São Paulo, e periferias arcaicas como o sul da Itália ou o Nordeste do Brasil. Nesse quadro a modernização periférica não é só penalizada pela proximidade do arcaico, mas também e principalmente é beneficiada, super explorando e se apropriando da proximidade da precariedade, depreciando os salários. O fenômeno também se manifestava nos países centrais do desenvolvimento capitalista, determinando centros dinâmicos, Londres e periferias subalternizadas, Irlanda. Esse processo impulsionava desenvolvimentos desiguais, determinando fluxos migratórios, que ao final deprimiam o valor da mão de obra nos centros dinâmicos, a partir da super oferta de mão de obra.
Nesse contexto, o interesse pela manutenção do arcaico e da proximidade do subdesenvolvimento passa a ser funcional, possibilitando os acordos entre elites modernizantes e antigas oligarquias arcaicas, que realizam o benefício mútuo, represando as explosões revolucionárias. A modernização se beneficia do arcaico, pois esse último garante um processo de acumulação muito mais vantajoso, que ao final consolida o acordo entre realidades que pareciam irreconciliáveis. Esse contexto também determina uma certa subalternidade do nosso pensar, que literalmente não enxerga nossa realidade, se refugiando em outros modelos, que fatalmente não se ajustam as nossas condições. Um campo emblemático dessa condição é a política habitacional no país, que invariavelmente tem como premissa, o não reconhecimento da favela, como um fruto particular de nossa realidade, e, que num determinado estágio no futuro de nosso desenvolvimento nacional poderia ser suprimida integralmente. A habitação precária sempre foi fruto do não atendimento de parcelas expressivas de nossa população pelo mercado formal de produção habitacional no Brasil, que mesmo nos momentos de grande boom econômico, nunca conseguiu atender uma faixa entre 30 a 40% de nossa população, que não acessa o financiamento da casa própria. Essa minoridade do nosso desenvolvimento, que perpassa todas as cidades brasileiras, afinal todas possuem assentamentos improvisados tipo favelas é por um lado, a demonstração da precariedade de nosso mercado imobiliário, mas por outro também pode ser vista como uma potente solução elaborada pelo conjunto da sociedade civil molecular, diante dessa inacessibilidade a moradia. A favela brasileira não deve ser nunca romantizada, afinal ela é claramente consequência da não universalização do nosso mercado imobiliário, portanto de uma precariedade efetiva, mas deve ser vista como uma solução criativa e potente, encontrada por uma parcela de nossa população, que parecia ter sido abandonada pelo país.
O pensamento de Gramsci, que possui profundas conotações espaciais e históricas sobre o desenvolvimento da economia capitalista no mundo, como um sistema único e interdependente nos ajuda a construir a consciência de uma certa subalternidade, presente no pensar brasileiro, que nos impede de identificar as especificidades de nosso processo. A emergência tardia de uma economia concorrencial, represada pela escravidão e por outros traços de nossa história, determinou uma incapacidade de identificação de manifestações positivas em nossa precariedade, como a favela, que precisam mudar. A leitura de Gransci, através do cientista político Luiz Werneck Vianna, no livro A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil, nos permite refletir de forma mais estruturada nossa inserção na economia mundo, passando a identificar nossa subalternidade dentro de suas reais potencialidades, e não apenas como negatividade.
BIBLIOGRAFIA:
VIANNA, Luiz Werneck - A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil - Editora Revan Rio de Janeiro 1997
DEL ROIO, Marcos org. - Gramsci, periferia e subalternidade - Editora EDUSP São Paulo 2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário