Ontem, quinta feira dia 24 de abril de 2014 foi realizado um debate no
Congresso Brasileiro de Arquitetura sobre habitação nas cidades brasileiras,
com os arquitetos Elizabeth França, Marcos Boldarini e Jorge Mario Jauregui,
mediados por mim, Pedro da Luz Moreira. O que coloquei logo no inicio para
todos os debatedores é que a produção habitacional brasileira precisa
desenvolver uma melhor conceituação com relação sua inserção urbana, que sua
construção deve estar atrelada a um projeto de cidade, mais inclusivo e
tolerante. Um modelo de cidade, que promova a aproximação entre diferentes
extratos sociais, que se baseie na diversificação de tipologias, que proponha a
construção de uma cidade multifuncional, densa e com riqueza de espaços
públicos.
A primeira palestrante a se manifestar foi a arquiteta Beth França, professora na FAAP e na USP Cidades, e curadora em 2002 do Pavilhão Brasileiro na oitava Bienal de Arquitetura de Veneza, que iniciou vinculando fortemente os conceitos de democracia e cidade. Segundo a arquiteta paulista a democracia está presente nas cidades, como uma imposição, pois ela nos ensina no seu cotidiano a conviver com os opostos, com a diferença. Beth percorreu também experiências emblemáticas do século XX no campo da habitação, para lembrar aos presentes das experiências humanas neste campo. Iniciou com o ano de 1927, mostrando a emblemática Siedlung Wiessenhoh em Sttugart na Alemanha, conjunto habitacional no qual os grandes mestres do movimento moderno europeu estavam presentes, como Mies, Le Corbusier, Gropius, Hibelsiemer, J. P. Oud e outros. A ideologia do movimento moderno afirmava então que os arquitetos não estavam mais interessados em construir os grandes monumentos, como igrejas, teatros, organismos governamentais, mas a edificação indiferenciada das periferias intermináveis da cidade industrial européia. Beth França também mostrou experiências como; o Pedregulho de Reidy de 1950/52, o IBA Berlim de 1957, o Pruitt Igoe em Saint Louis de Minoru Yamaki de 1954, contextualizando a complexidade da habitação nas grandes cidades modernas, e mostrando os desafios e experiências bem sucedidas ou fracassadas que foram promovidas. A partir deste ponto a arquiteta Beth França apresentou um forte questionamento relativo à idealização da cidade, promovida pela geração modernista, que na verdade pretendia homogeneizar a complexidade da vida, não oferecendo qualquer resposta aquela diversidade e alteridade anteriormente apontada como a principal característica da urbe. Beth França então apontou os programas de urbanização de favelas como; Favela Bairro e Renova São Paulo, como esforços para promover uma mudança de paradigma para a cidade brasileira. Onde se celebre a intensa utilização do espaço público, da vida comunitária e solidária presente nas favelas brasileiras, como um contraponto ao modelo de nossas cidades formais, onde o espaço individual, do isolamento do apartamento e do automóvel ganharam uma dimensão desmedida.
O segundo palestrante foi o arquiteto também paulista Marcos Boldarini, que coordena projetos de urbanização de favelas e de habitação de interesse social há mais de doze anos. Marcos iniciou uma comparação entre tecidos urbanos formais e informais - o bairro de Panalto Paulista e a favela de Heliopolis - dispostos na mesma escala, refletindo sobre quais eram as relações entre território e sociedade. Qual o papel da maior presença das infraestruturas urbanas no desenvolvimento de leituras diferenciadas do território? Como equalizar a distribuição destas infraestruturas no território da cidade brasileira, promovendo uma cidade mais inclusiva? O arquiteto apresentou quatro projetos de sua autoria; Nova Jaguaré, Corruiras na Operação Urbana Consorciada de Água Espraiada, Areião, e por último Cantinho do Céu, todas com uma forte interação com mananciais, beiras rio e frentes aquáticas. A partir da experiência acumulada destes e de outros projetos, Marcos Boldarini desenvolveu uma interessante reflexão entre o desenvolvimento de micrro-economias e localização territorial, enfatizando como estes laços são importantes para a construção da auto sustentabilidade de variados agentes. Boldarini também discorreu sobre o desfrute e a apropriação de espaços de forma coletiva e a preservação de valores ambientais mais adequados. O desenvolvimento de atividades no espaço público projetado como; cinema, exercícios para a terceira idade, banhos e mergulhos revelam as potencialidades das comunidades na auto gestão e manutenção destes territórios como parte integrante da cidade.
O terceiro palestrante foi o arquiteto argentino, radicado no Rio de Janeiro, Jorge Mario Jauregui, que participa intensamente de programas de urbanização de favelas como; Favela Bairro, PAC urbano e Morar Carioca. O inicio da palestra de Jorge Mario se centrou na caracterização do "magma da complexidade urbana", que ele apontou como um esforço de leitura e de escuta a partir de diferentes disciplinas como; arquitetura e urbanismo, psicanálise, filosofia, engenharia, meio ambiente e outras. Para Jorge Mario a oposição de variados tempos; de projeto, do político, da comunidade, muitas vezes desarticulam demandas pretendidas e consolidações, dissipando esforços variados, que não realizam no cotidiano as transformações almejadas. A participação comunitária, que qualifica as intervenções nas favelas segue para Jorge Mario uma sequência de ações; chegada, projeto, execução de obras e controle pós implantação. Para o arquiteto a variação tipológica cobrada dos projetos demanda do desenhador uma consciência do território em diversas escalas - macro e micro - e, num raciocínio contínuo e tenso entre Repetição e Diferenciação. Para Jorge Mario há também um novo desafio colocado para as intervenções em favelas, a questão da melhoria das casas pré-existentes, que demandam dos arquitetos, das escolas de arquitetura, do poder público um novo pensamento, afastado da ortodoxia e do modus operandi atual.
Após esses debates houveram interessantes questionamentos da platéia que enriqueceram o tema e esclareceram posicionamentos diferenciados. Destaco aqui, a pergunta do professor Pablo Benetti da UFRJ, que perguntou a mesa sobre o esforço das cidades brasileiras para romper com o estigma da segregação entre tecidos formais e informais, entre cidade e favela. A pergunta certamente está demandando dos arquitetos e urbanistas brasileiros novas formas de pensar e de se posicionar, não só com relação aos seus próprios projetos, mas como se promove esta manutenção no longo prazo e no nosso cotidiano.
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