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Cartaz do Curso Arquitetura, Cidade, Filosofia Moderna |
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Arts United Center em Fort Dale Loui I. Khan |
No âmbito mais amplo da comunicação, a jornalista Jane Jacobs toma partido dos bairros e comunidades ameaçados pelo rodoviarismo imperante no urbanismo americano em Boston e Nova York, discordando da objetividade dos planos de Robert Moses, publicando o livro; Morte e Vida das Grandes cidades Americanas em 1961. Jane Jacobs proclama a perda da vitalidade das cidades americanas em função de um rodoviarismo exacerbado, presente no modernismo que devasta bairros e unidades de vizinhança em função da objetividade do circular. A crítica de Jacobs focava na vitalidade de algumas partes da cidade, que exatamente não haviam sido projetadas sobre premissas higienistas ou rodoviaristas, como nos projetos de Le Corbusier do Plano Voisin para Paris. A jornalista claramente celebrava a presença e a opinião dos usuários, acusando urbanistas de positivismo e tecnocracia exagerada. A arquitetura e a cidade precisavam ser vivenciadas no seu cotidiano, a partir de parâmetros que pressupunham uma relação entre espaço privado e público, que mantinham proporcionalidades que o modernismo havia rompido.
"As
cidades tem a capacidade de prover algo para alguém, somente porque, e apenas
quando, são criadas por todos... Não existe melhor expert na cidade do que
aqueles que vivem e experimentam seu dia a dia." JACOBS 2011 página 47
Na verdade, a crítica de Jane Jacobs mencionava além do rodoviarismo imperante, a preferência da classe média americana pela baixa densidade nos subúrbios próximos a idílios naturais, com total dependência do automóvel. A habitação unifamiliar de baixa densidade é contraposta aos bairros densos das classes populares estadounidenses, nos centros e guetos, que acabavam possuindo uma vida de interação social intensa e muito mais rica. Sem dúvida, as intervenções de Robert Moses em Nova York elegem o rodoviarismo e destroem relações de vizinhança e de comunidades, descritas no livro; Tudo que é sólido desmancha no ar de Marshall Bermann, que descreve a hegemonia do automóvel a partir dos anos cinquenta nas cidades estadounidenses, e um pouco mais tarde no resto do mundo. Tal situação determina um certo isolamento do indivíduo na grande metrópole, reduzindo o espírito de participação na cidadania, aonde casas unifamiliares, com garagens abarrotadas de carros fazem a fortuna do american way of live. A cidade de Los Angeles, na costa oeste emerge como paradigma do bem viver, onde o automóvel se articula com a baixa densidade, surgindo um modelo de baixa densidade e de interação social, com um isolamento do ser humano na cidade.
Por outro lado, a década de 60, explode com a emergência de um mundo que decreta o fim das vanguardas e a presença de uma grande massificação, que é determinada pela maior acessibilidade garantida aos cursos superiores e a informação em geral. O mundo elitizado da primeira modernidade, dominado pelas vanguardas dá lugar a uma imensa massificação, que está emblematicamente representada nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs), que começam em La Sarraz no ano de 1928 com vinte e oito arquitetos e terminam em Dubrovnick no ano de 1956 com uma multidão de estudantes. Essa deselitização do horizonte determina a presença de uma pluralidade de visões, tornando-se difícil a construção de posicionamentos com sentido e manifestações claras. As posições, teses e manifestos tornam-se mais difíceis de serem construídos pela presença e participação de uma variedade de agentes e atores, que muitas vezes dispersam os alinhamentos.
No campo filosófico mais estrito emerge a figura de Michel Foucault (1926-1984), um pensador essencialmente desconfiado da racionalidade ocidental, com aquilo que José Guilherme Merchior identificou como um certo Nihilismo de Cátedra. Em 1979 lança o livro Microfísica do Poder, aonde defende a ideia da onipresença das dominações e coerções em qualquer interação humana, que está impossibilitada de se desvencilhar do interesse pessoal. Há uma denuncia da constante presença do desnivelamento hierárquico nas relações entre seres humanos, que estão imbricados numa luta constante de dominação. A impossibilidade de nivelamento desinteressado bloqueia o desenvolvimento mediado pela razão, que enxerga nas interações sociais o reino de uma disputa constante e ferrenha, aonde o diálogo é desacreditado. Há uma constante negação da racionalidade estrutural do ocidente, que na verdade se confunde com objetivos coloniais e neo coloniais de constante dominação, e uma, celebração da alteridade como geradora e impulsionadora de outras narrativas.
No campo da política, em 1979 Margareth Thatcher assume como primeira ministra britânica, prometendendo quebrar o mundo do trabalho inglês, que é visto como privilegiado e usurpador da carga tributária do país. Do outro lado do Atlântico, em 1980 Ronald Reagan assume a presidência dos EUA, desenvolvendo-se uma enorme desregulamentação do capital, particularmente em sua vertente financeira, que passa a atuar sem as amarras do Estado regulador. Começa então o desmonte do wellfare state ou estado de bem estar social, que foi a política que emergiu ao final do segundo pós guerra, que havia consolidado um horror a desregulamentação especulativa e liberal do Crack da Bolsa de Nova York em 1929. Um acontecimento histórico, que gerou a eleição de Hitler em 1933, naquele que era o país mais alfabetizado da Europa, desembocando na 2a Guerra Mundial. O esvaziamento industrial representou uma transformação que determinou seu declínio como principal empregador e fez emergir um contínuo de serviços, principalmente financeiros, que passam a ser o principal mobilizador da mão de obra. De uma hora para outra, as empresas de serviços financeiros e seguros passaram a representar no mundo anglo saxão, um terço do emprego disponível, enfraquecendo o movimento sindical em todo o mundo. O Estado é apontado como um estrutura burocrática e ineficiente, enquanto a Empresa privada é celebrada como dinâmica e eficiente Inicia-se uma forte hegemonia do capital financeiro no mundo, que dita a política do Estado, forçando sempre para a desregulamentação livre dos fluxos.
"Em
suma, o neoliberalismo se tornou hegemônico como modalidade de discurso e
passou a afetar tão amplamente os modos de pensamento que se incorporou às
maneiras cotidianas de muitas pessoas interpretarem, viverem e compreenderem o
mundo." HARVEY
2008 página 13
No campo mais geral do comportamento societário, em meados dos anos 1990 o advento da Internet e das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) lançam para a humanidade a possibilidade de acessar um amplo acervo de informações, que determinam uma imensa dispersão de energias, parecendo inviabilizar a possibilidade de construção de prioridades e consensos. A dispersão é enfatizada em todos os campos do cotidiano. Há estudos de instituições educacionais de que se amplia o Déficit de Atenção Continuada (DAC), uma síndrome identificada entre jovens, que não conseguem se concentrar de forma continuada num único assunto por um período superior a 15 minutos. É a cultura do zapping, impulsionada pela internet, em pesquisas que se mantém na superficialidade da busca ansiosa, com a perda da prática da leitura e do aprofundamento continuado num assunto. Por outro lado, a política se fragmenta numa infinidade de interesses que parecem irreconciliáveis, apontando para a impossibilidade da construção de consensos, uma vez que a troca de posicionamentos se acelera de uma maneira exponencial.
Também em meados dos anos 1990 o filósofo Habermas decreta num texto, Modernismo e Pós modernismo, no qual ironiza a tendência contemporânea de se utilizar do prefixo pós para caracterização do nosso tempo, dando a impressão dúbia de uma superação com continuidade. O texto de Habermas distingue a modernidade do modernismo, dizendo que a pretensão humana de desígnio do seu futuro, que as revoluções americana e francesa tinham expressado permanecia inalcançado. Habermas se mantém fiel a sua teoria da racionalidade comunicativa, que se contrapõe a uma racionalidade meramente instrumental, determinando que a razão não deve estar carregada de personalismos, mas construída a partir de consensos interpessoais. O filósofo da Escola de Frnakfurt se mantém fiel ao Iluminismo, abrindo uma nova perspectiva utópica, que não mais condena as gerações futuras a uma construção congelada e fixa, mas que celebra o processo de auto-construção e de auto-determinação, instalado pela modernidade.
No campo mais específico da arquitetura e do urbanismo, desde os anos 60, Kevin Linch e Aldo Rossi apontam para a processualidade da construção da cidade, reforçando conceitos como o da Legibilidade, e o da História. Eles reforçam a ideia da impessoalidade da produção da cidade, que apesar disso se remete sempre a um projeto coletivo, mediado seja pelos elementos primários de Rossi, ou pela capacidade de registro dos Mapas Mentais de Lynch. Por outro lado, o crítico italiano, Manfredo Tafuri, elabora a idéia do arquiteto como ideólogo do habitar, um formulador de conceitos e proposições que propõe o Bem Viver e possuem a capacidade de contaminar a sociedade para suas formas de operação e de prática. Sua crítica é envolta num pessimismo angustiante e numa melancolia, que não mais distingue no capitalismo tardio um espaço para a construção do ambiente humano, uma vez que os fluxos e a realização do lucro assumiram velocidades inimagináveis.
Em 2002, Kenneth Frampton lança o livro Studies on Tectonic Culture, no qual identifica a saturação do problema do símbolo e da representação no campo da arquitetura, apontando como saída o desenvolvimento da tectônica. O compromisso com o construído, e com sua ética particular. As obras de grandes arquitetos são analisadas a partir da escolha de diferenciados modos de construção, que recolocam a complexa relação entre custo e benefício no projeto. Um pouco depois o arquiteto Rafael Moneo lança em 2008 lança, Inquietação Teórica e Estratégias Projetuais, no qual rejeita a adoção de um personalismo de linguagem por parte dos arquitetos, celebrando a idéia da reinvenção do arquiteto a cada novo projeto. A linguagem não é mais uma constante específica e particular, mas cada novo projeto representa uma oportunidade, que demanda do arquiteto uma leitura específica de cada lugar. No Brasil, Pedro Fiori Arantes lança o livro a Arquitetura na era digital-financeira, que faz uma reflexão importante sobre o ato de construir numa era sobre a hegemonia do capital financeiro, aonde a realização dos lucros assume grande rapidez e ansiedade. A partir de um livro de Frederic Jameson de 2001, A cultura do dinheiro, no
qual há um ensaio; O
Balão e o tijolo, arquitetura, idealismo e especulação imobiliária, Pedro Fiori Arantes em 2012 desenvolve a ideia de que o tempo de investimento inviabiliza a
produção da arquitetura pela financeirização geral da sociedade. Há aqui a retomada de uma importante reflexão da arquitetura paulista dos anos sessenta e setenta de Sérgio Ferro e Rodrigo Lefévre, que pensavam os vínculos entre arquitetura e poder, arquitetura e relações de produção no canteiro de obras.
“É o momento em que a lógica do capital
fictício assume o comando das forças produtivas reais, como previra Marx, em O
Capital... , o tempo se projeta para frente com os juros comandando, de forma
ditatorial, a expectativa de lucros futuros e as decisões do presente.” ARANTES
2012 pág116
Por outro lado, na França, a partir de uma releitura dos textos do jovem Marx, num jornal Renano (Reinish Zeitung), dois autores de formação sociológica; Pierre Dardot e Christhian Laval constroem uma alternativa ao módus operandi do neo liberalismo. sintetizado na ideia de Comum. Marx, nesses artigos, irá sobre a visão estrita do Direito demonstrar a ampliação da lógica do Estado Burguês da propriedade privada sobre áreas comuns como florestas, áreas de pastoreio na Alemanha do século XIX. A questão levantada por Marx se refere aos galhos, caídos das árvores pelo efeito dos ventos, e que eram catados e usados pelos pobres na produção do calor, e que esse costume/direito havia sido impedido pela ampliação do cercamento das áreas. O Comum, portanto é visto como um valor que o capitalismo em sua longa transição sente dificuldade em cercar e privatizar. Os mares, os gravetos caídos das árvores, os frutos silvestres, os oceanos, a Arquitetura e o Patrimônio construído pela humanidade, o Meio Ambiente são patrimônios comuns. Primeiro os dois autores escrevem, A nova razão do mundo, ensaio sobre a sociedade neoliberal (2016), e logo depois, O Comum, ensaio sobre a revolução do século XXI (2017). No primeiro livro, a história do Neo liberalismo, suas diferenças marcantes com relação ao liberalismo tradicional e suas estratégias de penetração no cotidiano humano, reconhecendo sua capacidade de persuasão e convencimento desde a década de 80. No segundo livro, uma forte auto crítica do comportamento de esquerda, que precisa voltar a problematizar sua relação com o Estado, apontando daí um claro declínio da sua capacidade de oferecer um projeto alternativo, tendo sido suplantada pela nova direita e pelo neo liberalismo. Para eles, a nova estratégia do confronto com o capitalismo vem da explicitação e aprofundamento do conceito de Comum.
Enfim, esse me parece num rápido apanhado, o debate das ideias mais importantes do nosso tempo, uma luta entre pensamentos e práticas que possuem de um lado a premissa da solidariedade, e de outro, a da competição. O mundo do plano e do projeto precisa escolher um lado...
Enfim, esse me parece num rápido apanhado, o debate das ideias mais importantes do nosso tempo, uma luta entre pensamentos e práticas que possuem de um lado a premissa da solidariedade, e de outro, a da competição. O mundo do plano e do projeto precisa escolher um lado...
BIBLIOGRAFIA:
ALEXANDER, Christopher - Una Linguage de patterns - Editora Gustavo Gilli Barcelona 1990
ALEXANDER, Christopher - Ensayo sore la sintesis de la forma - Editora Gustavo Gilli Barcelona 1966
ARANTGES, Pedro Fiori - Arquitetura na era digital-financeira - Editora 34 Letras São Paulo 2012
BERMANN, Marshal - Tudo que é sólido desmancha no ar - Editora Companhia de Bolso São Paulo 2007
DARDOT, Pierre e LAVAL, Christian - A nova razão do mundo, ensaio sobre a sociedade neo liberal - Editora Boitempo São Paulo 2016
DARDOT, Pierre e LAVAL, Christian - Comum, ensaio sobre a revolução do século XXI- Editora Boitempo São Paulo 2017
FRAMPTON, Kenneth - Studies in Tectonic Culture: the poetics of construction in ninenteenth and twentieth century architecture - MIT Press John Cavas Chicago 2001
FUKUYAMA, Francis - O fim da História? - Editora Roccio Rio de Janeiro 1989
HARVEY, David - O neoliberalismo, história e implicações - Edições Loyola São Paulo 2008
JACOBS, Jane - Morte e Vida das Grandes cidades americanas - Editora Martins Fontes São Paulo 2011
JAMESON, Frederic - A cultura do Dinheiro, ensaios sobre a globalização - Editora Vozes Petrópolis 2001
LYOTARD, Francis - A condição pós Moderna - Editora José Olympio Rio de Janeiro 1986
MERCHIOR, José Guilherme - Foucault ou o Nihilismo de Cátedra - Editora Nova Fronteira Rio de Janeiro 1985
MONEO, Rafael -Inquietação Teórica e Estratégias Projetuais, na obra de oito arquitetos contemporâneos - Editora Cosac Naif São Paulo 2008
SANTOS, Carlos Nelson dos - A cidade como jogo de cartas - Editora Projeto 1986 Rio de Janeiro